Família e Cível

Contrato de Namoro, é válido?

Em busca de maior segurança, principalmente patrimonial, muitos casais que possuem um relacionamento de namoro aderiram ao chamado contrato de namoro, a fim de evitar a comunicação de bens. Mas aqui surge uma importante questão, este contrato é válido no ordenamento jurídico brasileiro?

E afinal, qual a diferença na prática de namoro para união estável? Estas e mais questões vamos responder neste artigo, por meio do entendimento doutrinário e da jurisprudência, para que não haja confusão e consequentemente uma forma de proteção vá por água abaixo.

Namoro x União estável

De cara já podemos afirmar que na legislação não há um conceito de namoro, pois não há a previsão deste relacionamento, de forma que vamos nos socorrer da doutrina para conceituar e poder então diferenciar da união estável.

Para a doutrina, namoro é uma relação afetiva, entre duas pessoas, fundada em uma atração recíproca. Conforme, ainda, o autor Euclides de Oliveira, esta relação amorosa é um processo de convivência que pode se encaminhar para uma família, ou seja, no namoro teríamos um objetivo de família futura, porém não há esse compromisso.

O namoro, ainda conforme a doutrina, pode ser dividido em namoro simples e namoro qualificado. Isso mesmo, talvez você esteja ou já esteve em uma categoria que nem sabia da existência, mas vamos para a explicação.

O namoro simples seria aquele sem tanto compromisso, pouco divulgado e de pouco tempo. Deste modo não tem implicações jurídicas devido a esta falta de continuidade e publicidade.

Já o namoro qualificado, está beirando a uma união estável, por conta disso gera maiores preocupações ao casal. Nele estão presentes pressupostos da união estável, sendo um relacionamento a) público; b) duradouro; c) contínuo. Há inclusive casos de coabitação, entretanto a diferenciação seria não haver o intuito de constituir família naquele momento.

E aí que surge o problema, pois deve ficar evidente que não há a vontade de constituir família para que não seja confundido com a união estável, a qual tem implicações jurídicas semelhantes ao casamento, e que pode inclusive se dar de forma virtual conforme entendimento jurisprudencial.

A união estável possui previsão legal no Código Civil:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Destaca-se que a legislação não exige prazo mínimo para a sua constituição e também não exige que os companheiros vivam juntos. Assim, ao analisar a solicitação de reconhecimento de união estável, cabe ao aplicador do direito à análise das circunstâncias do caso concreto para apontar a sua existência ou não, sendo ponto ainda muito controvertido na jurisprudência.

Este vínculo amoroso possui efeitos jurídicos uma vez que está previsto na legislação, sendo alguns deles, efeitos sociais e efeitos patrimoniais, como a comunicação de bens, sendo o regime de bens padrão a comunhão parcial de bens, também presente o direito de partilha caso haja eventual dissolução e direito sucessório.

Ou seja, há equiparação ao casamento em diversos pontos, tendo em vista que apesar de não formalizar na forma de casamento, com a alteração em estado civil, possui os mesmos objetivos, em especial o de constituir família.

Deste modo, o namoro passa a divergir da união estável tendo em vista o objetivo de constituir família, sendo que na união estável é presente e no namoro pode ser um objetivo, porém futuro, uma ideia que se discutirá no futuro.

O próprio Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de no namoro o fato de as partes não assumirem a condição de conviventes é por assim não desejarem e de igual forma, naquele momento não buscarem a formação de uma entidade familiar.

Validade do Contrato de Namoro

Validade do Contrato de Namoro

A busca de meios que assegurem a proteção patrimonial individual ganhou destaque a partir do reconhecimento da união estável, que como vimos acima, se equipara ao casamento, momento em que surgem obrigações de ordem patrimonial.

Assim, casais ficaram receosos quanto à possibilidade de um relacionamento fugaz gerar comunicabilidade do patrimônio. Por conta disso surgiu o então conhecido contrato de namoro, visando previsões expressas de incomunicabilidade de bens diante do contexto do relacionamento, se distinguindo da união estável.

Porém, a grande questão é de que não há na legislação sequer a conceituação de namoro, e por consequência não há previsão do contrato de namoro, e com isso surge mais um receio, realizar um contrato de namoro é válido no ordenamento jurídico brasileiro?

O fato é que não há nada no ordenamento jurídico que proíba a pactuação do contrato de namoro, todavia também não há a sua previsão e consequente regulamentação.

Neste ponto, tendo em vista que não há vedação o contrato de namoro seria um contrato atípico, o qual precisa respeitas os pressupostos de um contrato, o qual nos termos do artigo 104 do Código Civil depende:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III – forma prescrita ou não defesa em lei.

De acordo com a autora Maria Berenice Dias, este contrato possui como objetivo assegurar a ausência de comprometimento recíproco, que decorrem dos efeitos do matrimônio, bem como a incomunicabilidade do patrimônio presente e futuro.

Ocorre que a doutrina é extremamente dividida frente a ausência de previsão e regulamentação desta modalidade de contrato.

Para os autores que o consideram nulo, estes entendem que seria um meio de fraudar a legislação, tendo em vista que na realidade o casal vive como se casado fosse sendo que na realidade deveria incidir as normas referentes à união estável.

Isso porque, no período em comum, decretar a incomunicabilidade sob fundamento de namoro, geraria prejuízo em relação aos bens adquiridos em esforço comum, havendo assim um enriquecimento injustificado de um dos consortes, conforme dizeres dos renomados autores Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho, Maria Berenice Dias e Flávio Tartuce, ao considerarem nulo este tipo de contrato.

Todavia para parte da doutrina considera viável tendo em vista que não se pode generalizar que todo contrato de namoro teria como objetivo se esquivar da legislação, devendo-se respeitar a boa-fé contratual, sendo a má-fé – referente aos casos em que realmente as partes tenham constituído união estável, mas não querem arcar com as obrigações – quando comprovada geraria então um contrato nulo.

Assim, é possível realizar este contrato de namoro, podendo versar por exemplo sobre mesmo que haja coabitação, que nesta relação incida a separação de bens, uma vez que não querem esse compromisso mais denso no sentido de comprometimento recíproco, com demais efeitos sociais e patrimoniais. Este contrato se dá por escritura pública ou ainda, como documento particular.

Todavia, deverá ficar demonstrado que não há a intensão de constituir família, para assim diferenciar da união estável, motivo pelo qual, diante da falta de regramento se torna difícil apenas por meio deste contrato não ter maiores implicações jurídicas, precisando complementar de alguma forma, evitando a sua nulidade.

Portanto, não há mais validade quando:

  • Comprovada simulação;
  • Evolução para união estável;
  • Filhos em comum, com evolução para união estável.

Ou seja, em linhas gerais, a dificuldade em validar no ordenamento jurídico brasileiro o contrato de namoro depende da análise de como o casal se porta em sociedade, e seus objetivos, tendo em vista que não há um norteador por meio de regramento próprio, ou seja, para a legislação o contrato de namoro não existe, o que existe é um contrato atípico.

O que entende a jurisprudência?

O que entende a jurisprudência?

A problemática da validade deste contrato chegou ao Judiciário, tendo em vista muito casos em que, por exemplo, uma das partes requer o reconhecimento da união estável, porém há a presença de um contrato de namoro e a outra parte deseja que não seja reconhecido, justamente por existir um pacto contratual.

O STJ possui decisões no sentido de que uma união estável não precisa ser formalizada para ser reconhecida, se presentes os requisitos ensejadores desta modalidade de união, de forma que um contrato de namoro não terá validade se na verdade se estiver diante de uma união estável, respeitando a chamada primazia da realidade. (AREsp 1149402 RJ 2017/0196452-8).

De outro lado temos casos em que na análise do caso concreto, houve a identificação de um namoro qualificado, formalizado por contrato de namoro, no sentido de que não havia a intenção de formar uma família, de modo que não estavam presentes os pressupostos de uma união estável, não incidindo a divisão de bens em caso de separação (TJSP Apelação 1000884-65.2016.8.26.0288).

Assim, o namoro qualificado pode ser facilmente confundido com a união estável, de forma que, em linhas gerais, a jurisprudência entende que o contrato de namoro de forma isolada não afasta o reconhecimento de união estável, tendo em vista os pontos já mencionados acima no intuito de se esquivar das obrigações e efeitos jurídicos desta modalidade de união.

Considerações finais

Considerações finais

O direito busca acompanhar a nova realidade social, e assim por meio da legislação objetiva disciplinar questões novas, evitando controvérsias, e da mesma forma, a jurisprudência ao consolidar entendimentos.

No caso do contrato de namoro, ainda há essa lacuna na legislação que além de não conceituar este relacionamento, não o regulamenta. Ocorre que da mesma forma a união estável foi ganhando espaço na legislação com o passar do tempo, precisando o ordenamento jurídico se adequar, o que foi feito.

Nos tempos de hoje, muitos casais mesmo que em relação de namoro, preenchem os requisitos da união estável, como relacionamento contínuo, duradouro, público, porém, sem o intuito – pelo menos no presente – de constituir família. Ocorre que este cenário é facilmente confundido com a união estável, sendo que as partes ficam com medo dos efeitos jurídicos, em especial patrimoniais desta relação.

Assim surgiu o contrato de namoro, todavia, a legislação ainda não se adaptou a esta nova realidade, como forma de os casais zelarem por seu patrimônio, e também, como a doutrina refere, passarem pelas fases do relacionamento, afinal, a união estável é equiparada ao casamento, gerando efeitos sociais, pessoais e patrimoniais.

Por conta desta ausência de regramento há controvérsia quanto à validade deste contrato atípico de namoro, sendo que para a jurisprudência a presença de um contrato de namoro não afasta o reconhecimento da união estável.

Assim, esperamos que a legislação acompanhe esta realidade atual, definindo normas regulamentadores desta modalidade de contrato, a fim de evitar discussões e até mesmo violação a legislação vigente acerca das formas de união e seus efeitos.

Se restaram dúvidas sobre as modalidades de união que tratamos neste artigo, fique á vontade para entrar em contato via chat!

Waldemar Ramos

Advogado, consultor e produtor de conteúdo jurídico, especialista em Direito de Família e Previdenciário.

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