Reprodução assistida: limites legais e éticos
Com o passar dos anos e com o avanço da medicina, as formas de família puderem ampliar suas origens. Com isso, de forma a acompanhar tal evolução, a legislação também precisou de adequar no conceito de família e formas de filiação, de maneira a englobar todos aqueles que são tidos como filhos.
Foi o que aconteceu com a conhecida reprodução assistida, a qual precisou da atuação da bioética para ter normatizado esses procedimentos médicos de manipulação genética, bem como a conduta para este fim. Por tal razão, mostra-se interessante conhecer quais os limites dessa forma de manifestação de família e como a legislação brasileira se comporta frente a ela.
O que você verá nesse artigo:
O que é reprodução assistida?
Antes de compreender os reflexos da técnica de reprodução assistida na legislação, é essencial saber exatamente do que essa forma de reprodução se trata. De forma clara, entende Maria Helena Diniz, que a partir de um conjunto de operações, é realizada artificialmente a união dos gametas feminino e masculino, resultando em um ser humano.
A reprodução assistida envolve as técnicas de inseminação artificial, fertilização in vitro e a estimulação ovariana, dentre outras. Nesse ponto vale de forma simplificada diferenciar cada uma.
Fertilização in vitro – junção do óvulo e do espermatozoide em laboratório para formar o embrião. Após esse processo, ocorre a implantação do embrião no útero resultando em uma gravidez;
Inseminação artificial intrauterina – nesse caso o esperma é colocado diretamente no útero com o objetivo de aumentar as chances de fecundação;
Inseminação artificial intracervical – Os espermatozoides são inseridos no colo do útero;
Injeção intracitoplasmática de esperma – é uma forma de fertilização in vitro, em que um espermatozoide é injetado dentro de cada óvulo, a fim de que ocorra a fecundação e formação do embrião;
Coito Programado – é considerado o método mais natural, sendo realizado um acompanhamento do ciclo menstrual da mulher para averiguar o momento mais favorável para a ocorrência de uma gestação;
Transferência intratubária de gametas – ocorre o depósito de óvulos e dos espermatozoides dentro da trompa de falópio na mulher;
Estimulação ovariana – é realizada a indução da ovulação através de injeções ou uso de comprimidos com hormônios que servem para estimular a produção de óvulos na mulher, aumentando as chances de engravidar.
Criopreservação de gametas ou embriões – é o congelamento de óvulos, espermatozoides ou embriões para uma gravidez futura;
Doação de óvulos ou espermatozoides – é formado o embrião a partir de material genético de um doador;
Gestação de substituição – talvez você conheça como “barriga de aluguel”, sendo que poderá a mulher que empresta o útero ser parente do pai ou mãe da criança em até 4º grau. Em caso de desejar ser de um terceiro, deve-se entrar em contato com o Conselho Federal de Medicina, para que seja o caso analisado.
Há normas éticas disciplinadas pelo Conselho Federal de Medicina, conforme se verifica na Resolução 2.320 de 2022. Dentre todo o conteúdo ali elencado, importante mencionar pontos primordiais:
- Sigilo dos doadores e receptores;
- Doação voluntária permitida;
- Descarte de embriões com 3 anos ou mais, apenas mediante autorização judicial;
- Uso das técnicas para heterossexuais, homoafetivos e transgêneros;
- Delimitação do número de embriões geradores em laboratório, para no máximo 8;
- Criopreservação dos embriões que excederem 8, sendo a destinação manifestada por escrito pelos pacientes;
- Até 37 anos possibilidade de implantar até 2 embriões, acima dessa idade até 3;
- Doação de gametas para parentesco até quarto grau.
Portanto, atualmente no Brasil, são aceitas as técnicas acima as quais devem observar as resoluções do Conselho Federal de Medicina, dentro dos limites éticos ali elencados, para a segurança dos pacientes, bem como de forma a preservar a dignidade da pessoa humana.
O uso dessas técnicas envolve toda essa parte ética diante da complexidade e do objetivo ali pretendido que é a origem de uma vida. Assim, é imprescindível o consentimento expresso de intervenção médica para estes fins, sendo este prévio a qualquer procedimento
Previsão na legislação brasileira
A partir do surgimento de uma nova forma de procriação, ficou a cargo do chamado biodireito apresentar material para elaboração de uma legislação adequada, em busca da preservação da dignidade da pessoa humana, afinal, estamos falando da geração de uma vida.
Como se sabe é um direito procriar, sendo que quando não possível realizar tal desejo de maneira natural, a ciência trouxe a possibilidade de criar um meio para obter este fim, qual seja, a reprodução assistida. Assim, como forma de solucionar o problema de muitas pessoas, possibilitou a realização de um sonho.
Logo, diante de uma solução apresentada, mostra-se irrazoável não admitir no ordenamento jurídico brasileiro este meio de reprodução. Ocorre que na realidade, há uma menção superficial, carecendo esta prática de uma lei federal própria.
Para a Constituição Federal, a família é a base da sociedade, e tem proteção especial do Estado, conforme disciplina o artigo 226. Atualmente, a própria legislação inovou no sentido de acompanhar os avanços ao mencionar o pluralismo e o livre planejamento familiar “§ 7º – Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.”.
Já o Código Civil de 2002, ao tratar da filiação apenas faz uma breve menção em seu artigo 1.597, nos seguintes dizeres:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Percebe-se que não havendo legislação específica sobre o tema, fica ao Conselho Federal de Medicina o papel de delimitar os meios e formas, a fim de normatizar esse modo de reprodução. Portanto, atualmente este órgão fica responsável por fixar limites éticos e jurídicos, com importante controle das técnicas de reprodução assistida e sua aplicação.
Ao chegar no Judiciário casos de reprodução assistida, tem-se a imensa aplicação das resoluções frente aos direitos fundamentais da Constituição Federal, de forma a solucionar problemas quanto a este assunto. Lembrando que tem o Poder Judiciário o papel de averiguar irregularidades como é o caso da reprodução assistida clandestina.
Filiação e Reprodução Assistida
A filiação é um instituto do Direito de Família que, conforme conceituação do autor Flávio Tartuce, caracteriza-se pela relação jurídica oriunda da consanguinidade ou outra origem, que é estabelecida especialmente entre ascendentes e descendentes em primeiro grau, ou seja, pais e filhos.
O Constituinte mais uma vez por meio da Constituição Federal de 1988, foi certeiro ao tratar da filiação e da importância do afeto para o estabelecimento da filiação, de forma a resultar na igualdade da filiação. Esse fato encontra-se no artigo 226, §6º “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”
Com isso tem-se o reconhecimento da filiação por reprodução assistida, entretanto não há a normatização das diversas questões inerentes à filiação por este meio de reprodução.
O que ocorre no caso em análise é a filiação decorrente do parentesco civil, ou seja, do parentesco criado de maneira artificial, sendo a forma mais tradicional por meio da adoção, e agora, a reprodução assistida.
O Provimento 63, recentemente alterado pelo provimento 83 do Conselho Nacional de Justiça, inclusive passou a prever os meios de registro de nascimento do filho oriundo de método de reprodução assistida. Assim, não há a necessidade de prévia autorização judicial, bem como não pode ser exigido a identificação do doador do material genético como condição para lavratura do registro de nascimento.
Em relação aos efeitos de reconhecimento dessa forma de filiação, há a igualdade de direitos conforme preceito da Constituição. Assim, ficam assegurados os direitos alimentares e sucessórios, sendo indiferente ser decorrente a filiação do parentesco civil ou consanguíneo.
Reprodução assistida “post mortem”
Sim, ela é possível, conforme o próprio Código Civil há a possibilidade de fecundação da mulher com o sêmen do marido:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
Logo, é preciso que para a realização dessa modalidade de reprodução assistida, tenha o falecido em vida autorizado de maneira expressa a vontade de ser pai e realização por meio artificial.
No momento do registro de nascimento é preciso apresentar termo de autorização prévia específica do falecido ou falecida para uso do material biológico preservado, lavrado por instrumento público ou particular com firma reconhecida.
Considerações finais
Atualmente os meios de filiação são mais amplos, com o objetivo de acompanhar as necessidades da sociedade e também os avanços da medicina. Isso fica visível com a forma de procriação por meio da reprodução assistida.
A filiação está no rol dos direitos da personalidade da pessoa humana, de forma que a filiação na reprodução assistida merece regulamentação e reconhecimento. A propósito, se trata de uma forma de constituir uma família em meio aos avanços trazidos pela ciência e que passam a solucionar intercorrências de uma reprodução natural.
Ao fim, a reprodução assistida é uma forma de realização do sonho de constituir família, de modo que dentro dos limites éticos e jurídicos, se torna uma forma de filiação legal, produzindo efeitos igualitários aos das demais formas de filiação.