Família e Cível

União Estável Virtual, é possível?

Você deve estar estranhando este título, mas diante do cenário tecnológico que estamos inseridos, se mostrou indispensável a discussão quanto à possibilidade de ser reconhecida uma união estável virtual.

A partir da flexibilização das relações, novos tempos, novas possibilidades e meios de comunicação, nasce também alterações significativas nos casos apresentados frente ao olhar jurídico, de modo que surge o questionamento se o distanciamento físico pode descaracterizar uma união estável.

Ainda, em caso de viabilidade da união estável virtual, como se operaria a comprovação, é necessário um contrato?

Estes e mais pontos giram em torno deste contemporâneo tema, de forma que reservamos um artigo só sobre ele para tirar todas as dúvidas e demonstrar seu cabimento ou não no ordenamento jurídico brasileiro.

União estável

Antes de mais nada, vamos de forma breve relembrar o que é a união estável para então entrarmos no tema principal que seria uma nova modalidade deste grande instituto do Direito de Família.

A união estável vem ganhando força nos dias atuais, tendo em vista que não são todos os casais que estão formalizando a união na forma de casamento, bem como pelo crescente número de casais que moram juntos e acabam aderindo à união estável.

Está modalidade de união, encontra previsão no artigo 226 da Constituição Federal e no Código Civil no artigo 1.723, vejamos:

Constituição Federal
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Código Civil
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Deste modo, para se configurar união estável é preciso que a união seja pública, contínua, duradoura e que o casal tenha o objetivo de constituir família.

Controvérsia que já foi superada reside no reconhecimento da união estável homoafetiva, a qual por meio de julgado do STF – ADI 4.277 e ADPF 132, e por meio da Resolução do CNJ n. 175-2013.

Apesar da doutrina e a legislação equiparar em grande parte a união estável ao casamento, alguns pontos são diferentes, como por exemplo, esta modalidade de união não alterar o estado civil das partes.

Porém, outros pontos como direito à herança, divisão de bens em caso de dissolução e pensão por morte, são direitos garantidos tanto para pessoas casadas como para aquelas que vivem em união estável.

Da mesma forma que no casamento, em caso de dissolução do relacionamento, é necessário realizar formalmente este ato seja na via extrajudicial ou na via judicial.

Já que falamos em formalização, fator importante que muitas vezes causa dúvida em relação a esta modalidade de união, é preciso a formalizar?

Contrato de união estável

união estável virtual

De forma muito objetiva a recomendação é que a união estável seja formalizada como forma de evitar eventuais problemas futuros.

A união estável quando não formalizada corre o risco de se fazer necessário o chamado reconhecimento da união estável, a fim de garantir certos direitos, como é o caso da pensão por morte e direitos sucessórios.

Convém também realizar este contrato para documentar a data de início da união e facilitar questões da vida conjunta como inclusão em plano de saúde e seguro de vida, de forma a simplificar direitos e deveres entre o casal.

Este contrato pode ser realizado por meio particular – momento em que se recomenda a assinatura das partes e de duas testemunhas com reconhecimento de firma e registro deste instrumento no Cartório de Registro de Títulos e Documentos – ou na forma pública, que é mais comum, a mais conhecida declaração de união estável, elaborada no tabelionato por escritura pública.

Mas você deve estar pensado o que de fato deve constar nesse documento. Pois bem, devem constar informações como o regime de bens adotado pelo casal – lembrando que em regra é a comunhão parcial de bens- titularidade de bens, questões referente a filhos como a guarda, pensão alimentícia em caso de dissolução e demais questões que o casal achar pertinente.

Todavia, após toda essa explicação reforça-se que não é obrigatória a formalização da união estável, entretanto, a fim de não gerar dúvidas ou discussões futuras, é recomendada esta formalização.

Coabitação

Muitos pensam que para configurar união estável é obrigatório que o casal more junto, porém, se você chegou até aqui percebeu que nos requisitos para a constituição da união estável não está presente a coabitação.

Desde modo, em caso, por exemplo, de requerimento de reconhecimento de união estável como é muito comum aparecer em processos de pensão por morte, cabe ao aplicador da lei analisar o caso concreto, as circunstâncias e documentação, a fim de chegar a uma conclusão quanto à existência ou não de união estável.

A coabitação, portanto, significa o casal dividir um mesmo endereço, o qual, como vislumbra-se no texto legal, em específico no artigo 1.723 do Código Civil, não é uma exigência.

O que consta no referido dispositivo é a necessidade de convivência, sendo que esta não é sinônimo de coabitação. Entende-se por convivência a união do casal, compartilhamento de vivências, planos, havendo a assistência moral e material.

A fim de dar fim a esta controvérsia, o próprio Supremo Tribunal Federal se posicionou por meio da Súmula 382 a qual é aplicada nos casos que versam sobre a união estável:

“A vida em comum sob o mesmo teto, “more uxorio”, não é indispensável à caracterização do concubinato.”

Da mesma forma, a jurisprudência se posiciona no mesmo sentido, ante a ausência de previsão legal que torne a coabitação fator imprescindível para que seja reconhecida a união estável.

Para exemplificar lembremos que não são raros os casos de casais que residem em cidades diferentes por conta do trabalho e passam os finais de semana juntos. O importante neste cenário não é a coabitação e sim a relação que existe entre as partes, a convivência e a união de forma pública e contínua, pontos estes que são sim essenciais para a configuração desta modalidade de união.

Ou seja, superada a questão da desnecessidade da coabitação para a configuração de união estável, esta serve como introdução para o grande tema deste artigo, qual seja a união estável virtual.

União estável virtual

A partir do entendimento dos requisitos essenciais para a configuração da união estável, percebemos que não há a necessidade de coabitação, e agora ficou simples de adentrar no tema da chamada união estável virtual.

É possível visualizar melhor este instituto quando pensamos na pandemia, onde ficou decretada a necessidade do distanciamento social, inúmeros meios de locomoção estavam inviabilizados de operar, e muitos casais não conseguiram ficar juntos neste período.

As restrições impostas fizeram com que muitas relações passassem a ser à distância na forma virtual. Mas pode-se imaginar outras hipóteses, como já mencionado, os casais que residem em cidades diferentes mantendo a relação mais na forma virtual do que pela via presencial.

Assim surge a questão da união estável virtual, haja vista que a coabitação apesar de servir como indício da união estável, não é imprescindível, bem como as relações amorosas muitas vezes estão mediadas pelo uso da tecnologia.

Não há expressamente no ordenamento jurídico o reconhecimento da união estável virtual, de modo que se faz necessário analisar cada caso concreto quando se trata de uma situação como esta, devendo ser analisados os mesmos pontos analisados para a união estável convencional.

O que se pondera é que não se pode minimizar a união por conta de ela se dar de forma virtual, sendo que todos os requisitos para a constituição da união estável estão presentes.

Como forma de visualizar isto, o que se vê atualmente na jurisprudência e doutrina é o reconhecimento de uma infidelidade pelo meio virtual, e diante desta afirmação podemos concluir que seria confrontante não reconhecer a união estável virtual como a materialização de um relacionamento.

Diante deste cenário, convém esclarecer que os mesmos efeitos jurídicos postos quanto a uma união estável convencional devem estar presentes na chamada união estável virtual, tendo em vista estar a relação materializada.

De igual forma, recomenda-se a formalização da união estável virtual para que sejam preservados os direitos e reconhecidos os deveres da mesma forma que já alertamos no tópico anterior.

Comprovação

A comprovação da união estável virtual gira em torno dos requisitos para a sua caracterização: união pública, contínua, duradoura e com objetivo de constituir família.

Assim, é preciso juntar documentos, bem como eventual prova testemunhal apta a comprovar a publicidade da relação, o que atualmente pode ser demonstrada por fotos, vídeos e amigos em comum.

A continuidade da convivência deve ser demonstrada por meio de declarações que destaquem a estabilidade e seriedade do relacionamento, lembrando que não há tempo mínimo estabelecido na legislação.

Em relação ao objetivo de constituir família, uma série de fatores pode demonstrar isto como a rotina familiar, presença conjunta em eventos de família, existência de filhos em comum, conta conjunta, plano de saúde, dentre outros.

Desta forma, é importante demonstrar estarem presentes os requisitos da união estável para que a união estável virtual seja reconhecida da mesma forma.

Considerações finais

A união estável caracteriza-se pela informalidade sendo que muitos casais são adeptos a esta modalidade de união, fugindo da burocracia da realização de um casamento, que como vimos já em artigo completo sobre o tema, são vários passos para a sua conclusão.

Diante da previsão desta modalidade de união na Constituição Federal consolidou-se a união estável como família, sendo convertido este fato social em fato jurídico, de forma que direitos antes só reconhecidos por pessoas com vinculo matrimonial também foram reconhecidos a casais em união estável.

Ocorre que a tecnologia passou a propiciar uma sociedade sem fronteiras, fez com que houvesse uma alteração no modelo convencional da união estável, de forma que as pessoas passaram a se relacionar a quilômetros de distância, sendo o contato físico transferido para o contato virtual acompanhado da carga emocional e amorosa, possibilitando o convívio e participação na vida cotidiana de cada um, pelo intermédio da tecnologia.

Desta forma surge o debate quanto à possibilidade de reconhecimento da união estável virtual com os mesmos efeitos jurídicos da união estável convencional.

Como você viu até aqui, não há muitas notícias e sequer legislação específica com este termo “união estável virtual”, todavia, diante da ausência de previsão legal que exija a coabitação para a configuração da união estável, bem como casos de reconhecimento da união estável de casais que convivem apenas aos finais de semana por conta de trabalho ou outro fator, mostra-se inviável o não reconhecimento desta união.

Assim, concluímos que a quebra de um padrão social comum dos relacionamentos presenciais acompanhou o avanço da tecnologia, e tal modalidade de relacionamento não pode ser desprezado para fins jurídicos por conta da ausência de previsão legal, carecendo, é claro, de uma inovação na legislação e entendimento jurisprudencial consolidado quanto ao tema, sendo que até lá devem ser valoradas estas relações caso a caso.

Isabella Leite

Advogada, autora de artigos jurídicos, Pós-Graduanda em Direito Público pela ESMAFE-RS, Graduada em Direito pela PUC-RS.

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