Família e Cível

Divórcio Unilateral ou Impositivo, existe?

Divórcio é um tema muito comum no dia a dia e que sofreu diversas modificações ao longo dos anos, a fim de se adequar a realidade social. Tem-se então a noção geral do que é um divórcio e como se realiza o procedimento até que esteja finalizada essa forma de finalizar com um relacionamento.

Entretanto, questão interessante que vem chegando para análise dos julgadores e da doutrina diz respeito a uma forma de divórcio em que apenas uma das partes tem o interesse de encerrar a união. Nesses casos pode ser até surpreendente para a outra parte se deparar com essa informação e em outros casos gerar conflito diante da ausência de consenso, e assim trata-se o presente artigo do chamado divórcio unilateral ou também chamado divórcio impositivo.

Divórcio

Para deixar bem claro, importante mencionar que o divórcio, independente de sua modalidade, possui previsão legal no artigo 1.571 do Código Civil. É conceituado como um instrumento jurídico para dissolver, de forma definitiva, um vínculo conjugal e de igual forma se encerram as obrigações legais do casamento.

No momento do divórcio serão pactuadas questões como pensão alimentícia, partilha de bens, guarda dos filhos e regulamentação de visitas.

Tendo em vista que o casamento de realiza de maneira formal, também o divórcio precisa se dar formalmente podendo encerrar pela via judicial ou extrajudicial. Veja.

Judicial

A via judicial pressupõe ou a falta de consenso entre os consortes ou a presença de filhos. Isso porque, no primeiro caso é o juiz que fará a mediação a fim de se chegar a uma decisão justa que favoreça ambas as partes, bem como quando há a presença de filhos menores ou incapazes, o divórcio se torna mais delicado, momento em que se deve atentar aos interesses da criança e do adolescente, com o auxílio do Ministério Público.

É possível então havendo consenso, porém, com filhos, ser apresentado acordo ao juiz para a sua homologação.

Ressalta-se que tendo em vista a necessidade de movimentar o judiciário para apreciação do caso, esta forma de divórcio é mais demorada, mais desgastante e custosa.

Extrajudicial

Essa modalidade de encerrar o vínculo matrimonial é a mais tranquila e mais célere, uma vez que será realizada de forma administrativa, ou seja, diretamente no cartório.

A fim de contextualizar, com a entrada em vigor da Lei 11.441/2007 foi permitido no ordenamento jurídico brasileiro a realização tanto de divórcio consensual como inventário e partilha, perante os cartórios. Tal fato foi uma inovação quando se fala em dissolução conjugal, facilitou a forma de encerrar esta fase.

Para a realização do divórcio desta forma é preciso que estejam presentes os seguintes requisitos:

  • Concordância entre as partes;
  • Sem a presença de filhos menores ou incapazes;
  • Não pode haver gravidez;
  • Presença de um advogado, que em caso de consenso pode até ser o mesmo para ambos.

Assim, presentes os requisitos o procedimento se torna muito mais simples, rápido e inclusive barato.

Reconhecimento do Divórcio Unilateral ou Impositivo

Reconhecimento do Divórcio Unilateral ou Impositivo

Como visto acima, foi falado da questão de as partes estarem em consenso com os ditames da dissolução do casamento. Questão que se instaura é a possibilidade de apenas uma das partes expor a sua vontade de se divorciar, o que acontece nesse caso? Seria o tal do divórcio unilateral ou impositivo?

Aqui faz-se referência a Emenda Constitucional 66 de 2010, que além de eliminar o prazo para o deferimento do divórcio – que era de dois anos – passou a reconhecer o que se chama de direito potestativo ao divórcio.

Assim, não é mais preciso que haja uma motivação para se efetivar o divórcio, podendo este ser direito e imotivado, dissipando o critério da culpa que não se enquadrava na realidade atual no âmbito das famílias.

Além disso, trouxe a possibilidade da forma de divórcio unilateral, quando apenas um dos cônjuges quer se divorciar. Nos dizeres da autora e jurista Maria Berenice Dias, por se tratar de um direito potestativo, elimina-se a questão da concordância da outra parte para a decretação do divórcio.

Ainda, esta possibilidade visa resguardar os atos da autonomia privada, devendo ser respeitada tal decisão, de forma que mesmo com a não aceitação do outro cônjuge, não é possível se opor a tal decisão.

Na sequência, a partir desse chamado direito potestativo, recentemente o Poder Judiciário de Pernambuco, editou o Provimento 06/2019, para disciplinar “o procedimento de averbação, nos serviços de registro civil de casamentos, do que se denomina de divórcio impositivo e que se caracteriza por ato de autonomia de vontade de um dos cônjuges, em pleno exercício do seu direito potestativo”.

Assim, ao requerer no cartório a averbação do divórcio, a parte informaria os bens a serem partilhados e como ocorreria de forma unilateral, passava a concordar com a devida partilha. O outro cônjuge então seria notificado da intenção de divórcio, apenas para ciência, que seria averbado em 5 dias, conforme artigo 2º do referido provimento.

Esse provimento passou a ser uma inovação de forma a simplificar e efetivar o que é previsto na EC 66/2010, quando trata do direito potestativo. Assim, esse provimento disciplinava e autorizava a realização do divórcio requerido em cartório apenas por uma das partes.

O divórcio unilateral ou chamado impositivo, não demanda então a presença e sequer a concordância da outra parte. No entendimento da doutrina, esse fato geraria a liberdade e a eficácia da autonomia de vontade.

Claro, que é importante ressaltar que nesse caso não seria possível realizar o divórcio impositivo quando o casal possui filhos menores ou incapazes, pois nesses casos é preciso que o judiciário analise o melhor interesse do menor, com a fixação da guarda, pensão e visitas.

O que ocorreu na prática, foi que o Provimento 06/2019 gerou inúmeras discussões quanto a possibilidade do divórcio unilateral ou impositivo, sendo que o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, proibiu esse procedimento e determinou a necessidade de regulamentação por lei.

Por conta disso, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) apresentou juntamente com o conteúdo elaborado por grandes nomes do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Mario Delgado, Flávio Tartuce, José Fernando Simão e Jones Figueirêdo Alves, o Projeto de Lei 3457 de 2019.

O projeto possui o objetivo de acrescentar o artigo 733-A ao Código de Processo Civil, a fim de permitir em que apenas um dos cônjuges mesmo sem a presença e concordância do outro, requeira junto ao cartório de registro civil em que consta a certidão de casamento, a averbação do divórcio.

O objetivo é tornar mais simples e menos burocrático o procedimento para dissolução do vínculo matrimonial quando não há consenso entre as partes.

De forma alinhada com esse entendimento, muitos processos judiciais já decretam em caráter de urgência o divórcio, mesmo antes da citação da parte contrária. Assim, inúmeros casos como esse, com fundamento no julgamento parcial de mérito, na forma do artigo 356 do Código de Processo Civil, que compete ao juiz, encerram o debate quanto ao divórcio em si e se prossegue o processo quanto aos temas diversos, como partilha de bens e pensão alimentícia.

Em relação a regulamentação por lei, o projeto de lei encontra-se em tramitação, sendo a última atualização de 24 de março de 2022, aguardando designação do relator.

O que ocorre atualmente?

O que ocorre atualmente?

Quando se está diante de um caso que apenas uma das partes deseja se divorciar, percebe-se de antemão que há um conflito entre as partes, de modo que não seria possível, no entendimento atual, a realização do divórcio de forma extrajudicial, ou seja, no cartório.

Isso porque, conforme relatado quando há conflito, é preciso que o caso seja apreciado pelo Poder Judiciário. Entretanto, a problemática que aparece no caso apresentado, é que em relação a questões como guarda, fixação de pensão alimentícia e partilha de bens, é válido e pode o juiz intermediar e decidir sobre os ditames do divórcio. Ocorre que teria ele competência para decidir se deve o casal se divorciar ou não?

Fica evidente que não cabe ao juiz decidir tal fato, pois isso geraria além de infelicidade, uma imposição e violação a autonomia de vontade do indivíduo, beneficiando apenas aquele cônjuge que se opõe ao divórcio, o que não seria justo.

Portanto, o que busca o Projeto de Lei 3.457 de 2019, é a permissão que um dos cônjuges requeira a averbação de divórcio no cartório de registro civil, independente da concordância do outro cônjuge no que se refere ao divórcio em si.

O caso mais próximo de divórcio unilateral ou impositivo que ocorre atualmente, é aquele que se passa na via judicial em caso de requerimento de tutela de urgência, a qual é deferida sendo decretado o divórcio mesmo antes da citação e apresentação de defesa da outra parte.

Entretanto, como visto, mesmo que próximo, continua ocorrendo na via judicial e com a mediação de um juiz. O projeto de lei visa acabar com essa intervenção do Poder Judiciário e simplificar a medida, que nasce de um desejo da pessoa como detentora da autonomia de vontade, sendo um direito fundamental a possibilidade de dissolução matrimonial.

Considerações finais

Considerações finais

O divórcio pode se dar de forma amigável ou conturbada, sendo que na parte burocrática que se consolida por meio da formalização, na modalidade consensual ou litigiosa, respectivamente.

Na forma consensual tudo se torna mais simples, podendo ser realizado extrajudicialmente no cartório, ou, em caso de presença de filhos menores ou incapazes, a partir de acordo homologado pelo juiz. Já no divórcio litigioso, que ocorre quando não há consenso, se criando um clima de conflitos, tudo fica mais difícil e demorado, demandando a mediação do judiciário.

Ocorre que quando se trata da falta de consenso em relação ao divórcio em si e não apenas quanto as suas consequências como partilha de bens e pensão, gerou-se uma controvérsia se ficaria a cargo do juiz a decisão sobre o divórcio se concretizar ou não. Foi analisado que tal fato estaria ferindo a autonomia da vontade da pessoa humana.

A fim de evitar burocracias, primeiramente no Estado do Pernambuco, surgiu como evolução nesta questão, o Provimento 06/2019 que previa a possibilidade do divorcio unilateral ou impositivo, ou seja, que a parte unilateralmente poderia requerer a dissolução do vínculo no cartório. Entretanto, este provimento teve proibida aplicação pelo CNJ, uma vez que carece de regulamentação legal.

Logo, está em tramitação o Projeto de Lei 3.457/2019, que visa a regulamentação do divórcio unilateral ou impositivo, de forma a desburocratizar a medida e resguardando a autonomia da vontade da pessoa que não quer mais manter o vínculo. Com isso, vamos aguardar desdobramentos desse importante mecanismo que está prestes a revolucionar o tema divórcio, alinhado com a busca pela felicidade.

Waldemar Ramos

Advogado, consultor e produtor de conteúdo jurídico, especialista em Direito de Família e Previdenciário.

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