Família e Cível

Violência Doméstica: Conheça os Seus Direitos

A Violência Doméstica é um tema muito importante e delicado, mas que deve ser de conhecimento de todos, tanto para analisar situações e abrir os olhos, como para compartilhar com quem pode estar passando por uma situação assim. Vamos tratar nesse artigo sobre a previsão legal da proteção estabelecido para quem é vítima e quais as providências a serem tomadas.

A violência doméstica é aquela que ocorre no ambiente doméstico, em uma relação de familiaridade, afetividade ou coabitação. De acordo com a Lei 11.340/06, compreende-se “como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas.”

A violência familiar ocorre nas relações entre membros da família sendo aqueles de parentesco natural, civil, por afinidade ou afetividade. Assim, é caracterizada pelas relações e não pelo espaço em que ocorre.

A violência envolve maus tratos físicos ou psíquicos, não tendo um número de vezes para se caracterizar como violência doméstica em seu sentido estrito.

Já em seu sentido lato, ou seja, mais amplo, envolve violação de domicílio ou perturbação da vida privada, exposição de imagens, conversas, violação de correspondência, violência sexual, violação na obrigação de alimentar e subtração de menor.

A violência doméstica pode atingir mulheres, crianças, homens, idosos, com quem o agente conviva ou tenha convivido, se prevalecendo das relações domésticas, conforme o artigo 129, §9º do Código Penal.

Tipos de violência doméstica

Tipos de violência doméstica

Como extraído do conceito de violência doméstica, existem várias formas de manifestação dessa violência, vamos a elas:

  • Física – a mais comum, sendo aquela que causa dano a integridade física da vítima. Pode se dar por chutes, socos, tapas, cortes, quedas dentre outros.
  • Sexual – não há respeito o direito da pessoa ao seu próprio corpo e sexualidade, sendo a vítima obrigada a satisfazer o agressor(a).
  • Psicológica – muitas vezes relacionada a humilhação de forma a atingir a autoestima, prejudicando sua saúde emocional, resultando em sentimento de inutilidade ou medo.
  • Moral – caracterizada por situações de injúria (ofensa a honra subjetiva, o sentimento de respeito pessoal), difamação (ofensa que atinge a reputação) ou calúnia (ofende a honra a ponto de supor que a pessoa cometeu crimes ou contravenções).
  • Patrimonial – envolve danos ao patrimônio ou recursos econômicos da vítima, como por exemplo sua remuneração e o controle de gastos.
  • Perseguição – o controle excessivo a ponto de aterrorizar e intimidar a pessoa.
  • Social – atinge a forma como a pessoa se relaciona e vive em sociedade, por exemplo, impedir que tenha contato com familiares.

Lei Maria da Penha

Lei Maria da Penha

A maior incidência de violência doméstica é contras as mulheres, de tal forma que em 1993 a Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos reconheceu de maneira formal a violência contra as mulheres como forma de violação dos direitos humanos.

Uma legislação crucial para o avanço da proteção das vítimas de violência doméstica se deu com a famosa Lei Maria da Penha, Lei 11.340 de 2006. Recebeu este nome em homenagem a biofarmacêutica cearense, que sofreu duas tentativas de homicídio por seu marido.

Conforme destaca o Autor Rolf Madaleno, o objetivo desta lei foi a criação de mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como a criação de varas especializadas. Ademais, buscou-se a implementação de políticas públicas para garantir os direitos humanos das mulheres, as resguardando de qualquer forma de discriminação, negligência, exploração, crueldade e opressão.

De acordo com o artigo 5º da referida Lei, há enquadramento de violência doméstica mesmo que não haja coabitação, ocorrida “em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.”

Complementando a Lei Maria da Penha, o Conselho Nacional de Justiça elaborou a Recomendação 9/2007, de forma a orientar o Poder Judiciário a criar Varas Especializadas, bem como Juizados de Violência Doméstica e Familiar.

Foi também instituído o Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com o objetivo de conduzir de forma permanente o debate da magistratura acerca do tema. Neste fórum também se busca uniformizar o procedimento adotado nas varas especializadas.

A partir deste fórum inúmeros enunciados foram editados, dos quais destacamos:

  • ENUNCIADO 1: Para incidência da Lei Maria da Penha, não importa o período de relacionamento entre vítima e autor de violência, nem o tempo decorrido desde o seu rompimento, bastando que reste comprovado que a violência decorreu da relação de afeto.
  • ENUNCIADO 45: As medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/2006 podem ser deferidas de forma autônoma, apenas com base na palavra da vítima, quando ausentes outros elementos probantes nos autos.
  • ENUNCIADO 46: A Lei Maria da Penha se aplica às mulheres trans, independentemente de alteração registral do nome e de cirurgia de redesignação sexual, sempre que configuradas as hipóteses do artigo 5°, da Lei 11.340/2006.
  • ENUNCIADO 59: A violência praticada contra a mulher na presença dos filhos e filhas pode ser valorada como circunstância judicial desfavorável (art. 59 do Código Penal).

No ano de 2018, a Resolução 254 do CNJ instituiu a Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, sendo pauta as diretrizes e ações de prevenção e combate à violência. Objetiva o atendimento mais humanizado.

A recente Portaria Conjunta CNJ/CNMP nº 5/2020 criou o Formulário Nacional de Avaliação de Risco que busca prevenir a reincidência da violência contra a mulher. Prioriza-se o preenchimento no primeiro atendimento da vítima a fim de anexar ao inquérito e procedimento judicial.

A Lei Maria da Penha destaca que quando registrada a ocorrência – o conhecido B.O. – deverá a autoridade policial remeter dentro de quarenta e oito horas o relato ao juiz, para análise da concessão de medida protetiva de urgência, as quais podem ser aplicadas de forma isolada ou conjunta:

  • Afastamento do lar;
  • Separação de corpos;
  • Proibição de condutas – limite de aproximação da vítima, familiares e testemunhas;
  • Proibição de comparecimento em determinados locais;
  • Proibição de contato com a vítima;
  • Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores;
  • Prestação de alimentos provisórios ou provisionais – sendo os provisórios vigentes até a sentença e os provisionais cessam com a sentença, momento em que é são fixados alimentos definitivos.
  • Comparecimento a programas de recuperação e reeducação;
  • Acompanhamento psicossocial, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
  • Suspensão da posse ou restrição do porte de armas.

Estas medidas, então, buscam proteger a mulher, para que se sinta mais segura, diante da restrição de contato direto ou indireto do agressor.

Lei Henry Borel

Lei Henry Borel

Já quando a vítima se trata de menor de idade, um avanço na legislação sobreveio diante da chamada Lei Henry Borel, nº 14.344/22, que criou mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente. Assim, a legislação específica possui incidência mais ampla haja vista resguardar a integridade de menores independente do sexo.

Na Lei Henry Borel há a replicação de medidas protetivas, sendo que após o recebimento do expediente deve o juiz decidir em vinte e quatro horas as medidas protetivas a serem aplicadas. Deve ser o Ministério Público comunicado para adoção das medidas cabíveis, bem como se identificado risco iminente à vida ou à integridade da vítima, o agressor deverá ser afastado imediatamente do lar ou local de convivência.

Em relação a vítima, bem como familiar ou denunciante, poderá:

  • Ter atendimento por assistência social;
  • Ser incluído em programa de proteção a vítimas ou a testemunhas;
  • No caso da impossibilidade de afastamento do lar do agressor ou de prisão, poderá ser avaliada a necessidade de acolhimento familiar, institucional ou colação em família substituta.

A diferença em relação a Lei Maria da Penha é a questão da incapacidade, sendo então a medida protetiva requerida pela autoridade policial, pelo Ministério Público, conselho tutelar ou pessoa que atue em favor da vítima, como pais, tutores ou responsáveis.

Ciclo da violência doméstica

Isso mesmo, foi identificado pela psicóloga norte-americana Lenore Walwer, que a violência doméstica possui um ciclo. Assim, este é dividido em três fases.

Na primeira fase, chamada de aumento da tensão, há momentos de irritabilidade por questões insignificantes, podendo chegar até mesmo a acessos de raiva. Presente também humilhações e ameaças, sendo que esta fase pode durar dias ou anos.

A segunda fase se caracteriza por ato de violência diante da falta de controle do agressor. Esta violência pode se dar de forma verbal, física, moral, psicológica ou patrimonial.

A terceira fase compreende o momento do arrependimento, em que o agressor passa a ter comportamento carinhoso. O objetivo é de reconciliação, com um período considerado mais calmo, sendo até mesmo chamada de lua de mel.

Diante deste ciclo, muitas vezes passa a ser difícil quebrar o ciclo e tomar providências, seja por medo, vergonha ou por esperança de que é apenas uma fase.

Obstáculos

Obstáculos

Muitos relatos são no sentido de ao relatar a situação perante uma autoridade, a vítima é desencorajada de prosseguir com as medidas cabíveis. O que ocorre é uma certa tolerância social em relação à violência, de forma que muitas vítimas por terem conhecimento de situações sem êxito, deixem de buscar proteção.

Diante deste infeliz cenário, como visto, a legislação buscou aperfeiçoar o sistema criando delegacias e varas especializadas, com maior qualificação profissional competente para atendimento de vítimas da violência doméstica.

Ocorre que nem sempre há viabilidade de criação em todas as cidades brasileiras de forma que muitas varas criminais acabam atendendo estas demandas, bem como delegacias de polícia comuns. Este passa a ser um dos fatores problemáticos que deixam a vítima de violência doméstica receosa.

Destaca-se que há a possibilidade de apontamento de violência doméstica em conselho tutelas, unidade de saúde e também de assistência, também em caso de lesões aparentes a vítima é encaminhada ao Instituto Médico Legal. Já no âmbito do Judiciário para buscar informações, é possível solicitar acompanhando e direcionamentos da Defensoria Pública.

Porém, para que estes meios se tornem eficazes para os devidos fins, é válido que os profissionais disponíveis para atendimento destes casos sejam especializados, de forma a acolher e dar encaminhamento à situação, evitando a revitimização.

Penalizações para o agressor

As penalizações são aquelas previstas no Código Penal com as alterações dadas pela legislação específica no intuito de ampliar a proteção e agravar as penas.

Em relação às medidas protetivas, o descumprimento enseja penalização de detenção de três meses a dois anos.

Já no Código Penal, temos previsão no capítulo de Lesão Corporal, artigo 129, com redação dada pela Lei Maria da Penha “§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

Há previsão do feminicídio sendo o que abarca homicídio ou tentativa em razão do gênero, bem como quanto está inserido na violência doméstica. Sendo, portanto, uma qualificadora do homicídio, prevista no Código Penal em seu artigo 121, incisos IV a IX.

Em relação a Lei Henry Borel, em seu artigo 25, a pessoa que tem conhecimento da prática de violência, tratamento cruel, abandono de incapaz, também será penalizada com detenção de seis meses a três anos, com possibilidade de aumento pela metade diante da omissão que resultar lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta morte. E o dobro da pena se o crime for praticado por ascendente, parente consanguíneo até terceiro grau, responsável legal, tutor, guardião, padrasto ou madrasta da vítima.

Já no Código de Processo Penal, no seu artigo 313, há determinação de prisão preventiva nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.        

Ressalta-se que independentemente da pena prevista, não poderão ser aplicadas as regras válidas em juizados especiais. Proíbe-se, assim, a conversão da pena em cesta básica ou em multa de forma isolada.

Considerações finais

Considerações finais

A violência doméstica é aquela que ocorre no âmbito doméstico, ou seja, sendo o espaço em que ocorre a violência, com pessoas que ali convivem. Já a violência familiar se assemelha e muitas vezes se associa no sentido das pessoas que figuram como vítima e ofensor, entre membros da família sendo aqueles de parentesco natural, civil, por afinidade ou afetividade.

Ante a presumida vulnerabilidade e fragilidade das mulheres, crianças e adolescentes, há legislação específica que busca proteger estes, criando medidas protetivas para frear a situação de risco. Estas são as chamadas Lei Maria da Penha e Lei Henry Borel.

Essas legislações alteraram dispositivos do Código Penal, tornando mais rigorosas as penas quando envolvem violência contra estes em âmbito de violência doméstica e familiar.

Destaca-se que o principal meio de êxito em situação de violência é o acolhimento diante de delegacias e varas especializadas, bem como profissionais competentes para tomar as medidas necessárias. Assim, tomando um caminho eficaz para a prevenção de novas agressões, seja de cunho físico, emocional, social ou patrimonial.

Se você se identificou com situação que configure violência doméstica ou conhece alguém que está passando por isso, procure um profissional e entre em contato com as autoridades.

Waldemar Ramos

Advogado, consultor e produtor de conteúdo jurídico, especialista em Direito de Família e Previdenciário.

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