Família e Cível

O que é Curatela e como funciona no Direito de Família?

A curatela é um dos institutos jurídicos destinados à proteção da pessoa e seu patrimônio, sendo classificada como direito assistencial. Isso se dá diante do fato de o sujeito passivo da curatela, pessoa maior de 18 anos, não possuir capacidade para os atos da vida civil, ou, ainda, determinados atos.

Este instituto visa a proteção máxima da pessoa humana, de forma conjunta com a dignidade da pessoa humana, sendo princípios constitucionais que devem ser resguardados. Assim, em vias de proporcionar esta vida digna a uma pessoa que está de forma temporária ou permanente incapaz de exercer atos da vida civil e cuidar de seu patrimônio, surge o instituto da curatela.

Para que serve a curatela?

Recentemente foi objeto de estudo aqui no site o instituto da tutela, a qual é destinada à proteção dos menores. A diferença primordial da tutela para a curatela, diz respeito ao seu sujeito passivo, uma vez que na curatela estamos diante de pessoas maiores e incapazes.

A curatela, desse modo, é um instituto do direito assistencial, destinada a defesa dos interesses dos maiores incapazes. Conforme conceituação da autora Maria Helena Diniz, temos a curatela como um encargo público, previsto e determinado por lei, sendo este encargo de alguém capaz de reger e defender uma pessoa, bem como administrar seus bens, sendo que esta pessoa se trata de maior incapaz que não possui condições de fazê-lo por conta de enfermidade ou deficiência mental.

Pode ocorrer também, conforme menciona o autor Pablo Stolze, em caso de incapacidade parcial para o exercício de determinados atos, a incidência da curatela, de forma a auxiliar de forma limitada aquele que está impedido de expor sua livre e consciente manifestação de vontade.

Cabe ressaltar que da mesma forma que a tutela é um munus publico, a curatela também é, no sentido de ser dever do Estado zelar pelos interesses dos incapazes. Na prática o que ocorre é a delegação desde zelo para pessoa capaz e idônea, ou seja, pessoa competente.

previsão legal

O principal regulamentador é o Código Civil em seus artigos 1.767 a 1.783, no Título “Da Tutela, da Curatela e da Tomada de Decisão Apoiada”.

No Código de Processo Civil também há previsão em seus artigos 747 a 758 ao tratar do processo de interdição.

E, por fim, também é disciplinada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Alterações

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, que entrou em vigor em 2015, foi responsável por cruciais mudanças no tocando a capacidade civil. De forma que é importante fazer esta ressalva em relação às alterações que passaram a atingir de forma direta ao instituto da curatela.

Inicialmente, o Estatuto alterou de forma substancial o tratamento relativo aos absoluta e relativamente incapazes. Conforme menciona o autor Flávio Tartuce, o objetivo da presente alteração foi a inclusão social das pessoas que apresentem algum tipo de deficiência.

Assim, absolutamente incapazes figuram apenas aqueles menores de 16 anos de idade. Veja como ficou o artigo 3º e 4º do Código Civil com as referidas alterações:

Art. 3 o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

Art. 4 o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;

IV – os pródigos.

Parágrafo único.  A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.

De acordo com o artigo 6º do Estatuto, em relação às pessoas com deficiência, o fato de apresentarem deficiência por si só não quer dizer que possuem incapacidade civil.

Nesse sentido, percebemos que não há mais absolutamente incapazes maiores. De forma, que passa a incidir a curatela sobre os relativamente incapazes, os quais serão objeto de estudo da sequência.

Curador

A figura do curador, é também denominada sujeito ativo, sendo aquele que vai exercer a curatela. Assim, será responsável por resguardar os interesses e patrimônio do curatelado.

Possui o dever de praticar de forma responsável todos os atos da vida civil, de forma a representar o curatelado, sempre nos limites da curatela concedida judicialmente.

De acordo com o artigo 1.775 do Código Civil:

Art. 1.775. O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito.

1 o Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe; na falta destes, o descendente que se demonstrar mais apto.

2 o Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos.

3 o Na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz a escolha do curador.

Art. 1.775-A.  Na nomeação de curador para a pessoa com deficiência, o juiz poderá estabelecer curatela compartilhada a mais de uma pessoa.

Já o Código de Processo Civil tratou de criar uma ordem de preferência em seu artigo 747:

  • Cônjuge ou companheiro;
  • Parentes ou tutores;
  • Representante da entidade em que se encontra abrigado;
  • Ministério Público;
  • Curatela compartilhada – se assim for mais adequado no caso concreto.

É importante destacar que o rol pode ser flexibilizado, uma vez que deve-se atentar ao melhor interesse da pessoa incapaz. Por conta disso, o curador não precisa necessariamente possuir vínculo de parentesco.

Se estas pessoas acima elencadas não estiveres aptas para o exercício da curatela, caberá ao juiz a nomeação de pessoa idônea para este fim.

Seus deveres são por exemplo, administrar os bens, prestar despesas de sustento, firmar contratos, receber rendas. Lembrando que qualquer ato que possa gerar risco aos bens e sustento do curatelado, deverá passar à análise judicial, dependendo de sua autorização, tendo como grande exemplo a venda de bens.

Cabe ao curador a prestação de contas durante o período de exercício do cargo, sendo em regra a prestação a cada dois anos. Deve ser apresentada ao juiz, com a descrição detalhada dos gastos, bem como documentos de comprovação como notas fiscais.

Em relação aos deveres de ordem pessoal, deve o curador manter sob seu cuidado o curatelado, com a assistência direta, seja com o auxílio de profissionais como no caso de tratamentos médicos, visando sempre o bem-estar do incapaz.

Por fim, fato muito questionado se refere à remuneração do curador. Sim, a partir do entendimento do Superior Tribunal de Justiça é possível que o curador receba uma remuneração, a qual deverá ser requisitada em Juízo. Neste momento será analisada a condição financeira do interditado, bem como suas necessidades e o esforço exigido do curador para o exercício da curatela. A partir desta ponderação será fixado um valor justo ao curador.

Curatelado

curatelado

O requisito inicial para que seja deferida a curatela, é a interdição, de forma que os interditos estão aptos a serem chamados de curatelados com o deferimento da tutela. Logo, de acordo com o rol taxativo do artigo 1.767 do Código Civil, são interditos:

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:

I – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;

III – os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

V – os pródigos.

O curatelado então é a pessoa que for no processo de interdição declarada incapaz para o pleno exercício de atos da vida civil, ou anda, determinados atos.

Destaca-se que incapacidade não se presume, de modo que há a necessidade de durante o processo de interdição, ficar demonstrado seja por laudos, exames e principalmente por meio da perícia, em que o curatelado será analisado por equipe multidisciplinar, a real incapacidade que o curatelado apresenta.

O fato é que a partir do Código de Processo Civil e do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a questão acerca da capacidade sofreu alterações conforme destacado acima, podendo ser vista nos incisos que foram revogados do dispositivo acima. De forma que estão sujeitos à curatela:

Impossibilitados de manifestar a sua vontade – seja seu pensamento, emitir opiniões e realizar atos inerentes a pessoa humana, de forma que o seu cognitivo está prejudicado.

Ébrios habituais e viciados em tóxico – que possuem dependência física e psíquica a qual não conseguem controlar, influenciando o estado mental, ficando na maioria do tempo sob seus efeitos.

Pródigos – são aquelas pessoas que gastam sem moderação e por conta disso se endividam, se desfazem de bens, colocando-se em risco de miséria. Assim, a pessoa não possui condições de zelar e administrar seu patrimônio.

Nascituro – previsto no artigo 1.779 do Código Civil “Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar.
Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro.” Neste caso, deve-se atentar que tal curatela perdurará até o nascimento, sendo que após será aplicado o instituto da tutela.

Formas

Pode ser a definitiva, que ocorre no momento da sentença, sendo que mesmo que haja recurso, já passa a valer, produzindo efeitos jurídicos.

Há a chamada curatela especial, que se apresenta no momento de ajuizamento do processo de interdição, sendo que o fato gerador é a urgência de representação por meio de um curador. Assim, será nomeado temporariamente um curador especial que no entendimento do STJ é a Defensoria Pública (REsp, 1.651.165/SP).

Novidade trazida é a curatela parcial, uma vez que a alteração do artigo 1.772 do Código Civil, que faz as vezes da chamada interdição relativa, ao mencionar que o juiz determinará, segundo as potencialidades da pessoa, os limites.

Curatela x Decisão Apoiada

Tendo em vista a possibilidade atual de deferimento de curatela parcial, ou seja, para determinados atos a serem delimitados na decisão judicial, abriu-se uma brecha para a confusão entre a curatela e a decisão apoiada.

Em linhas gerais a decisão apoiada visa o auxílio da pessoa com deficiência para a tomada de decisões mais complexas. Um exemplo seria para a celebração de contratos.

Ela está prevista no artigo 1.783-A do Código Civil e foi introduzida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência:

Art. 1.783-A.  A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.

Neste caso, a própria pessoa com deficiência de forma conjunta com duas pessoas idôneas as quais ela elege de acordo com sua confiança, formulam pedido de tomada de decisão apoiada, com a apresentação de termo no qual deve constar de forma expressa os limites do apoio a ser oferecido, bem como os compromissos a serem cumpridos.

Assim, no termo ainda constará o prazo de vigência e também o respeito aos direitos, à vontade e ao interesse da pessoa apoiada.

Como visto, de forma diversa do que ocorre na curatela, a legitimidade é exclusiva da própria pessoa com deficiência, conforme enunciado 639 da VIII Jornada de Direito Civil “A opção pela tomada de decisão apoiada é de legitimidade exclusiva da pessoa com deficiência. A pessoa que requer o apoio pode manifestar, antecipadamente, sua vontade de que um ou ambos os apoiadores se tornem, em caso de curatela, seus curadores.”.

Procedimento da Curatela

procedimento da curatela

É estabelecida pelo processo de interdição o qual é disciplinado no Código de Processo Civil.

Pode promover a interdição, conforme o artigo 747 do Código de Processo Civil:

  • Cônjuge ou companheiro;
  • Parentes ou tutores;
  • Representante da entidade que se encontra abrigado;
  • Ministério Público.

O Enunciado 57 da I Jornada de Direito Processual Civil, menciona questão interessante “Todos os legitimados a promover a curatela, cujo rol deve incluir o próprio sujeito a ser curatelado, também o são para realizar o pedido do seu levantamento.”

Já quando se trata do Ministério Público, conforme disciplina o artigo 748 do Código de Processo Civil, apenas poderá promover a interdição de forma subsidiária quando se trata de doença mental grave em que as pessoas além dele designadas não estiverem presentes ou não promoverem a interdição, bem como forem incapazes.

Deverá no momento do ajuizamento da ação de interdição ser apresentada prova inicial mínima, como laudo médico, e na impossibilidade de apresentar, justificando, podendo ser suprimido por audiência de justificação posterior.

O interditando será entrevistado por equipe multidisciplinar, sendo essencial para o processo de interdição. Ademais, a critério do juiz poderão ser ouvidos parentes ou pessoas próximas.

Assim, dentro de 15 dias a partir da entrevista poderá o interditando impugnar a ação de interdição, sendo que neste momento o Ministério Público intervirá como fiscal da lei, uma vez que é responsável por resguardar o interesse dos incapazes. Ademais, em caso de não ter advogado constituído será nomeado curador especial, sendo que cônjuge, companheiro ou parente poderá intervir como assistente.

Na sequência haverá a prova pericial, momento em que o laudo pericial indicará especificadamente os atos os quais haverá a necessidade de curatela.

Com todos estes dados, será proferida sentença com nomeação de curador, fixando os limites da curatela. Desta sentença cabe recurso, entretanto até o seu julgamento a decisão será aplicada.

Ademais, importante dispositivo que evidencia a unicidade da curatela, artigo 757 do Código de Processo Civil “A autoridade do curador estende-se à pessoa e aos bens do incapaz que se encontrar sob a guarda e a responsabilidade do curatelado ao tempo da interdição, salvo se o juiz considerar outra solução como mais conveniente aos interesses do incapaz.”

Levantamento da curatela

O levantamento se dá ao deixar de existir o motivo que originou a incapacidade, ou seja, o objeto da curatela.

Assim, diante da recuperação da capacidade, da cura da doença, ou até mesmo com o falecimento do curatelado. Ressalta-se que o em caso de falecimento do curador, a curatela se mantém sendo apenas realizada a substituição do curador.

Importante destacar, que uma vez possível a curatela parcial, também é possível o levantamento dessa.

O levantamento pode se dar a qualquer tempo a pedido do Ministério Público ou do próprio curatelado, com a comprovação da recuperação da capacidade civil.

Considerações finais

considerações finais

A curatela se caracteriza como responsável pela proteção e defesa dos interesses de pessoa que se encontra incapaz de realizar atos da vida civil e gerir seu patrimônio. Deste modo, o instituto de direito assistencial fica responsável por suprir esta falta de discernimento que pode ser total ou parcial.

Assim, por meio de um procedimento judicial, será analisado o caso concreto, com entrevista e prova pericial, a fim de averiguar a realidade dos fatos e a real necessidade de nomeação de curador para auxiliar aquele que se encontra incapaz, lembrando ser este maior de 18 anos.

Como visto houveram alterações na legislação com a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência e do Código de Processo Civil. Sendo alteração substancial que os absolutamente incapazes figuram apenas como aqueles menores de 16 anos de idade.

Portanto, proferida sentença deferindo a curatela, nesta será nomeado curador, suas atribuições e principalmente limites do exercício da curatela, tendo em vista que ela pode ser apenas parcial para determinados atos que o curatelado não possua condições de exercer sozinho.

Este instituto pode ser levantado a qualquer tempo, deixando de existir a curatela por conta da recuperação da capacidade civil ou falecimento do curatelado.

Se restaram dúvidas, estamos à disposição via chat para lhe auxiliar.

Waldemar Ramos

Advogado, consultor e produtor de conteúdo jurídico, especialista em Direito de Família e Previdenciário.

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