Família e Cível

O que é a tutela de uma criança?

A tutela, de igual forma a curatela e a guarda, é no direito de família denominada direito assistencial. Assim, todos esses institutos visam à proteção tanto pessoal como patrimonial.

Em especial quando se fala em tutela, deve-se ter em mente que junto dela surgem responsabilidades, deveres e funções que devem ser exercidas por aquele que for caracterizado como tutor. Desse modo, a fim de esclarecer qual seu objetivo, se há possibilidade de negar esta responsabilidade, bem como quando ela cessa, continue a breve leitura que tudo ficará mais claro.

Regras para caracterização da Tutela

Este instituto, forma bem dinâmica, foi criado com a finalidade suprir a falta dos pais. Assim, conforme os autores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, conceitua-se tutela “como a representação legal de um menor, relativa ou absolutamente incapaz, cujos pais tenham sido declarados ausentes, falecido ou hajam decaído do poder familiar.”

Quem pode ser atingido pela tutela é a pessoa que conta com 18 anos incompletos. Ademais, importante lição traz o artigo 36 do Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu parágrafo único, ao afirmar que para que haja o deferimento da tutela é imprescindível a prévia decretação da perda ou suspensão do poder familiar, sendo que de forma consequente, implica o dever de guarda.

Uma breve pausa para informar que já foi realizado o estudo destes dois grandes institutos do direito de família aqui no site, recomendamos que pesquise o conteúdo em nosso site e faça a leitura para entender melhor como funciona a tutela de uma criança.

Voltando, agora chegou o momento de identificar quais são os sujeitos da guarda, sendo denominamos tutores e tutelados.

Qual o papel do Tutor e do Tutelado?

Qual o papel do Tutor e do Tutelado?

Os sujeitos são os denominados sujeito ativo tutor e passivo tutelado. Esta relação se dará diante da vontade dos genitores por via testamentária ou documental, ou então ficará a cargo do juiz, com a devida participação do Ministério Público, atuante em casos que envolvem menores e incapazes, cuja finalidade é zelar pelo interesse destes.

Tutor

O tutor será a pessoa que irá se responsabilizar pela formação do menor e pela administração do patrimônio deste. Poderá ser nomeado tanto pelos pais como, na falta dos pais, pelo juiz, como será analisado na sequência.

O artigo 1.731 do Código Civil teve o objetivo de criar uma ordem de preferência de indicação de tutores, sendo que como já analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, não significa que será um rol inflexível. Veja:

Art. 1.731. Em falta de tutor nomeado pelos pais incumbe a tutela aos parentes consangüíneos do menor, por esta ordem:

I – aos ascendentes, preferindo o de grau mais próximo ao mais remoto;

II – aos colaterais até o terceiro grau, preferindo os mais próximos aos mais remotos, e, no mesmo grau, os mais velhos aos mais moços; em qualquer dos casos, o juiz escolherá entre eles o mais apto a exercer a tutela em benefício do menor.

Esta ordem de preferência é aplicada quando os pais não são aqueles que decidiram o tutor, ou quando, mesmo com a decisão há causa de impedimento. Ao analisar as possibilidades, o juiz escolherá entre o mais apto, sempre em observância ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

Na falta dos tutores da ordem de preferência, ou, ainda, na falta de nomeação por parte dos genitores de forma testamentária ou documental, cabe ao juiz a nomeação de tutor idôneo e residente no domicílio do menor.

Curiosidade se instaura no artigo 1.733, §2º do Código Civil “quem institui um menor herdeiro, ou legatário seu, poderá nomear-lhe curador especial para os bens deixados, ainda que o beneficiário se encontre sob o poder familiar, ou tutela”. Em outras palavras quem dizer que pode ficar determinado um tutor em relação ao menor, sem prejuízo de que o bem deixado a este menor seja administrado por um curador diverso.

Tutelado

Agora falando do sujeito passivo, temos o tutelado. Como já visto, os tutelados são aqueles com 18 anos incompletos.

Importante mencionar que quando se está diante de irmãos órfãos, em vista do princípio da unicidade, busca-se dar sempre um mesmo e único tutor. Tal premissa não é obrigatória, devendo ser analisado cada caso concreto, uma vez que este encargo envolve muitas responsabilidades e pode se tornar inviável deixar isto nas mãos de um só tutor.

Na hipótese de menores cujos pais são falecidos, desconhecidos, estejam suspensos ou destituídos do poder familiar, além da possibilidade de ser nomeado tutor, é possível que sejam incluídos em programa de colocação familiar, conforme previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Qual a finalidade da tutela?

Qual a finalidade da tutela?

O grande objetivo da tutela é a administração dos bens patrimoniais do menor não emancipado, que não está sob poder familiar. Nesse ponto, é válido reforçar que a tutela não possui relação com poder familiar no que diz respeito a coexistência, de tal forma que só poderá incidir a tutela nos casos de ausência do poder familiar, como analisado acima.

Desse modo, ela atinge os menores absolutamente incapazes – que se compreende por aqueles menores de 16 anos – e os relativamente incapazes – sendo aqueles entre 16 e 18 anos de idade.

Apesar do conceito de tutela fazer referência à administração patrimonial, a grande ressalva que se faz é que diante da falta dos pais, cabe ao tutor uma série de funções que em nada tem a ver com bens. O que se refere na verdade é a proteção pessoal no menor, uma vez que este pode sequer ter bens e mesmo assim lhe ser nomeado tutor.

Assim temos expresso no Código Civil as funções do tutor:

Art. 1.740. Incumbe ao tutor, quanto à pessoa do menor:

I — dirigir-lhe a educação, defendê-lo e prestar-lhe alimentos, conforme os seus haveres e condição;

II — reclamar do juiz que providencie, como houver por bem, quando o menor haja mister correção;

III — adimplir os demais deveres que normalmente cabem aos pais, ouvida a opinião do menor, se este já contar doze anos de idade

O tutor passa a figurar como representante legal do menor, sendo responsável diretamente pela educação, defesa e sustento. Todas as decisões que versem sobre aspectos da vida do tutelado devem estar alinhadas com o seu melhor interesse, podendo inclusive ser objeto de controle judicial.

Cabe ao tutor então as atribuições que seriam dos pais, com exceção do poder de correção. Ocorre que é viável sim e exigência de respeito e obediência.

Desse modo, não lhe é transferido o poder familiar, sendo seu objetivo o de proteção do menor e representação. Como mencionado no artigo 1.747 do Código Civil, cabe ao tutor representar até os 16 anos de idade e assistir até os 18 anos.

Compete também, sem a necessidade de prévia autorização judicial:

  • Receber rendas, pensões ou outra quantia ao tutelado devida;
  • Fazer-lhe as despesas de subsistência e educação, e conservar os bens, com devidos melhoramentos e os administrar;
  • Alienar os bens destinados à venda;
  • Promover o arrendamento de bens de raiz.

Agora, há atos que precisam da atuação judicial para se concretizarem, uma vez que envolvem diretamente o patrimônio do menor, exigindo o controle judicial:

Art. 1.748. Compete também ao tutor, com autorização do juiz:

I — pagar as dívidas do menor;

II — aceitar por ele heranças, legados ou doações, ainda que com encargos;

III — transigir;

IV — vender-lhe os bens móveis, cuja conservação não convier, e os imóveis nos casos em que for permitido;

V — propor em juízo as ações, ou nelas assistir o menor, e promover todas as diligências a bem deste, assim como defendê-lo nos pleitos contra ele movidos.

Parágrafo único. No caso de falta de autorização, a eficácia de ato do tutor depende da aprovação ulterior do juiz.

Uma questão que merece destaque é a responsabilidade do magistrado frente a um caso de tutela. Há previsão legal, artigo 1.744 do Código Civil, de responsabilidade civil do magistrado, sendo esta “direta e pessoal, quando não tiver nomeado o tutor, ou não o houver feito oportunamente e subsidiária, quando não tiver exigido garantia legal do tutor, nem o removido, tanto que se tornou suspeito”.

Falando em responsabilidade, o tutor também responde pelos prejuízos embasados em culpa ou dolo, causados ao tutelado. Neste cenário surge a figura do protutor, sendo o responsável pela fiscalização da atividade do tutor, a fim de que o objetivo da tutela seja preservado.

Obrigação do tutor de realizar a prestação de contas

Obrigação do tutor de realizar a prestação de contas

A prestação de conta é de extrema importância, dado o objetivo do presente instituto. Em regra, é realizada de dois em dois anos, porém pode ser solicitada em período menor.

Ademais, de acordo com o artigo 1.756 do Código Civil, deve o tutor ao final de cada ano apresentar o balanço patrimonial.

Ressalta-se que na forma dos artigos 1.760 e 1.761, todas as despesas justificadas e reconhecidamente proveitosas ao menor, deverão ser apresentadas ao Juízo de maneira a serem consideradas como crédito do tutor, além do mais, as despesas com a prestação das contas serão pagas pelo tutelado.

Tipos de tutela

A tutela pode se manifestar de três formas:

Tutela Testamentária – é aquela instituída por ato de última vontade. A nomeação compete aos pais, em conjunto, sendo necessário que conste em testamento ou documento autêntico.

Tutela Legítima – na falta de designação pelos pais, conforme o artigo 1.731, respeita-se uma ordem, conforme acima já elencada.

Tutela Dativa – ocorre na falta da tutela testamentária e dativa, sendo a responsabilidade do juiz nomear tutor idôneo e residente no domicílio do menor.

Tutela x curatela x guarda x decisão apoiada

O ponto em comum dos referidos institutos é o de proteção jurídica daqueles que estão em situação de incapacidade na gestão de sua vida. Porém, há distinções claras que são bem simples para nunca mais se confundir.

Nos dizeres do autor Flávio Tartuce, a diferença substancial entre os dois institutos é de que a tutela objetiva resguardar os interesses de menores e não emancipados. Por outro lado, a curatela cuida dos interesses dos maiores incapazes, sendo aqueles que estão devidamente interditados.

Assim, o simples fato de ser menor já torna a pessoa incapaz para os atos da vida civil, necessitando de nomeação do tutor. Fato este que não ocorre na curatela, uma vez que se mostra necessária a presença de impedimentos tornando a pessoa incapaz para o pleno exercício dos atos da vida civil.

A guarda pressupõe a existência do poder familiar. No caso da tutela, não há a presença de poder familiar, sendo instituto criado a fim de amparar a falta de poder familiar.

Já a decisão apoiada refere-se ao caso de pessoa com deficiência que possui algum impedimento mental ou intelectual, mas que tem mínimo de discernimento a fim de manifestar a própria vontade. Assim, fica a pessoa denominada apoiador, auxiliando a pessoa na prática de determinados atos, tal instituto é disciplinado pela Lei 13.146/2015 que é o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Impedimentos para o exercício da tutela

Impedimentos para o exercício da tutela

Para o exercício da tutela, há requisitos sendo que quando não preenchidos geram impedimentos para o pleno desempenho deste instituto. Conforme determina o artigo 1.735 do Código Civil, não podem ser tutores, e sendo nomeados serão exonerados:

  • Aquele que já tiver obrigação com outro menor, ou tiver que fazer direitos contra este menor;
  • Aquele que não tiver livre administração de seus bens, como os menores e pródigos;
  • Aquele condenado por furto, roubo, estelionato, falsidade contra a família ou os costumes, cumprido ou não pena;
  • O inimigo do menor ou dos pais;
  • Aquele que exerce função pública incompatível com a boa administração da tutela, por exemplo, juiz, promotor e delegado;
  • Pessoa de mau procedimento, falha em probidade, e as culpadas de abuso em tutorias anteriores.

Em relação aos impedimentos, também incidem sobre atos em que o tutor não pode praticar:

  • Adquirir por si ou por interposta pessoa, por meio de contrato particular, bens móveis, imóveis, pertencentes ao menor;
  • Dispor dos bens do menor, a título gratuito;
  • Ser cessionário de crédito ou de direito, contra o menor.

O que é escusa da tutela?

A princípio por se tratar de um múnus público, não pode ser a nomeação de tutor recusada. Ocorre, entretanto, que há flexibilização deste fato em determinadas situações, conforme expresso pelo artigo 1.736 do Código Civil:

I — mulheres casadas;

II — maiores de sessenta anos;

III — aqueles que tiverem sob sua autoridade mais de três filhos;

IV — os impossibilitados por enfermidade;

V — aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a tutela;

VI — aqueles que já exercerem tutela ou curatela;

VII — militares em serviço

Cada caso será analisado pelo magistrado, podendo ou não acatar tal requerimento. Cabe ressaltar que se o juiz não acatar, enquanto tramita o recurso, será exercida a tutela pelo nomeado. Ademais, responderá por perdas e danos aquele que for nomeado e não atuar nesse lapso temporal.

Quando cessa?

Quando cessa?

A tutela se manifesta como relação jurídica temporária. Isso porque uma vez que se destina a menores, que são considerados incapazes, com o atingimento da capacidade civil a tutela será extinta. Assim, pode cessar diante:

  • Maioridade;
  • Emancipação;
  • Reconhecimento parental;
  • Adoção;
  • Expirar o termo;
  • Escusa legítima;
  • Ao tutor removido;
  • Falecimento do tutor ou tutelado.

Em regra, a tutela perdura por dois anos, todavia, de acordo com o parágrafo único do artigo 1.764 do Código Civil “Pode o tutor continuar no exercício da tutela, além do prazo previsto neste artigo, se o quiser e o juiz julgar conveniente ao menor.”

Considerações finais

O direito assistencial é de suma importância no Direito de Família, sendo que está presente constantemente no cotidiano. A guarda, tutela e curatela estão disciplinadas pelo Código Civil, e possuem a finalidade comum de amparar aqueles que não possuem plena capacidade civil, e precisam de auxílio para gerir a vida pessoal e patrimonial.

A tutela, tema objeto do presente artigo, destina-se àqueles que não estão submetidos ao poder familiar e precisam de proteção jurídica de direitos e interesses. O tutelado é o menor de 18 anos.

O tutor possui inúmeras responsabilidades, precisando se reportar ao juiz, como é o caso de prestação de contas, balanço patrimonial e quando há a necessidade de correção do menor, uma vez que não lhe é dado o poder familiar. Há a possibilidade de escusa e também causas de impedimento do exercício da tutela, como foi analisado acima.

São três os tipos de tutela, sendo a legítima, dativa e testamentária. Ambas são analisadas pelo Juiz, com a oitiva do Ministério Público para assim ser deferida a tutela, resguardado o melhor interesse da criança e do adolescente.

A tutela é uma medida temporária, sendo que cessa pela maioridade, emancipação, falecimento de uma das partes, bem como pelo afastamento do tutor. Apesar de temporária é muito importante este instituto na vida do menor, para que tenha seus interesses e necessidades devidamente preservados.

Para saber mais ou em caso de dúvidas, estamos à disposição via chat!

Isabella Leite

Advogada, autora de artigos jurídicos, Pós-Graduanda em Direito Público pela ESMAFE-RS, Graduada em Direito pela PUC-RS.

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