Direitos Trabalhistas

O Que Caracteriza Desvio de Função no Trabalho?

O desvio de função no trabalho é uma prática que ocorre quando o trabalhador é contratado para ocupar um cargo específico, mas, no dia a dia, acaba desempenhando tarefas relacionadas a outras funções.

Embora seja considerada uma irregularidade que prejudica a empregados e empregadores, sua ocorrência é cada vez mais comum nas relações de trabalho. Em 2023, foram ajuizados cerca de 3,5 milhões de novos processos trabalhistas, e o desvio de função está entre as principais causas motivadoras desses processos.

Ou seja, trata-se de um problema mais comum do que se imagina, e que pode levar à desvalorização das competências trabalhistas do empregado, assim como a violação dos direitos trabalhistas.

Por isso, identificar e prevenir o desvio de função no trabalho é fundamental para que empresas e seus colaboradores possam garantir uma rotina de trabalho justa e saudável.

Mas, para isso, entender a fundo o que caracteriza um possível caso de desvio de função no trabalho é essencial. Até mesmo para que o trabalhador possa buscar seus direitos na Justiça do Trabalho e, assim, consiga manter sua integridade profissional no ambiente de trabalho.

Sabendo disso, elaboramos esse artigo onde abordamos os principais aspectos acerca do desvio de função no trabalho. Continue lendo e saiba o que significa desvio de função, o que caracteriza essa prática no ambiente de trabalho, as consequências do desvio de função no trabalho e o que fazer nesse caso. Confira!

O que é desvio de função no trabalho?

desvio de função no trabalho

Podemos definir o desvio de função no trabalho como uma prática que normalmente acontece quando a empresa atribui ao trabalhador funções e responsabilidades diferentes daquelas firmadas no contrato de trabalho.

Isso não significa dizer que auxiliar em um projeto ou substituir de forma colaborativa um colega de trabalho na rotina da empresa, sejam práticas consideradas desvio de função.

Mas, quando as atividades executadas pelo trabalhador são contrárias às que foram previamente definidas em contrato, então é importante que o empregado fique atento, uma vez que isto se configura como desvio de função, podendo resultar em prejuízos financeiros ao colaborador e também à empresa.

Quando é considerado desvio de função no trabalho?

Basicamente, o desvio de função no trabalho pode acontecer por motivos adversos. Seja por uma reestruturação organizacional, mudanças nas demandas habituais da empresa ou mesmo por falta de pessoal.

Contudo, seja qual for a razão, essa é uma prática considerada irregular e que deve ser evitada a todo custo. Mas, o que exatamente caracteriza o desvio de função? Quando determinada prática se configura como desvio de função no trabalho?

Via de regra, o desvio de função se caracteriza pelo exercício de funções correspondente a um cargo diferente daquele definido no contrato do trabalhador, independentemente se a prática ocorrer de forma eventual ou habitual no dia a dia da empresa.

O trabalhador que estiver com dúvidas sobre quando uma prática é considerada ou não desvio de função, pode recorrer ao site do Ministério do Trabalho e Previdência para pesquisar e identificar as ocupações e responsabilidades atribuídas em cada função ou cargo. Para isso, basta seguir o passo a passo abaixo:

  1. Primeiramente acesse o Portal Emprega Brasil
  2. Em seguida, clique na opção “Trabalhador”, situado à esquerda da sua tela
  3. Feito isso, vá em “Ocupações (CBO) e, na sequência, informe o cargo registrado em sua carteira de trabalho.
  4. Por fim, uma nova página será aberta, mostrando todas as informações pertinentes ao seu cargo, incluindo as atribuições da função.

Ao realizar essa breve pesquisa, é possível descobrir se as atividades executadas no dia a dia realmente estão compatíveis com a função para o qual o trabalho foi contratado, ou se o caso se trata de desvio de função no trabalho.

Além disso, muitas pessoas costumam confundir desvio de função no trabalho e acúmulo de função, o que é um erro. Existem particularidades que diferenciam as duas práticas, embora ambas sejam totalmente vedadas pela legislação. Por isso, também é muito importante se atentar a esse ponto.

Desvio de função no trabalho: Exemplificando na prática

Para simplificar o entendimento sobre o que caracteriza desvio de função no trabalho, daremos um exemplo prático. 

Imagine que um profissional é contratado por uma rede de supermercados para ocupar o cargo de operador de caixa. Acontece que, no decorrer dos dias, o mesmo funcionário que, inicialmente foi contratado para exercer a função de operador de caixa, passou a realizar funções correspondente a função de gerente de supermercado, um cargo totalmente distinto daquele que foi registrado em sua carteira.

Ou seja, o colaborador assumiu uma função notoriamente com mais responsabilidades a cumprir e, consequentemente, que exige um nível de remuneração superior ao de um operador de caixa. E o mais importante, ele executa atribuições que não condizem com aquelas registradas em sua carteira de trabalho.

Desse modo, o exemplo acima citado demonstra um caso clássico de desvio de função e passível de penalidades, uma vez que prejudica financeiramente o colaborador em questão.

O que diz a Lei sobre desvio de função?

De modo geral, não há uma legislação ou cláusula específica que trate sobre o desvio de função no trabalho. No entanto, na jurisprudência é possível encontrar dispositivos que servem como embasamento legal para assegurar os direitos trabalhistas envolvendo esse tipo de irregularidade.

O artigo 884 do Código Civil que versa sobre o princípio da boa fé é um deles. Segundo prevê esse dispositivo:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

Outro artigo do Código Civil que também é útil para fundamentar legalmente casos de desvio de função é o artigo 927, que prevê o seguinte:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

A Consolidação das Leis do Trabalho também conta com dispositivos que podem ser usados como fundamentação legal em casos de desvio de função no trabalho. É o caso do artigo 468, que prevê o seguinte:

Art. 468 – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

Outro artigo que pode servir como base em casos de desvio de função é o artigo 483 da CLT, que diz o seguinte:

Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato.

Uma dúvida recorrente envolvendo o desvio de função no trabalho é quando essa prática envolve trabalhadores terceirizados. Nesse caso, a legislação também respalda os trabalhadores, através da Lei 13.429/2017, que traz em seu artigo 5° a seguinte previsão:

§ 1º É vedada à contratante a utilização dos trabalhadores em atividades distintas daquelas que foram objeto do contrato com a empresa prestadora de serviços. 

Portanto, de acordo com os dispositivos acima, fica evidente o quanto o desvio de função no trabalho é uma prática irregular e que deve ser combatida nas empresa, sobretudo por gerar sérias consequências a todos os envolvidos.

Desvio de função no trabalho – principais consequências

desvio de função no trabalho

Manter a prática de desvio de função no trabalho pode resultar em sérias consequências, não só para os trabalhadores, mas também para a empresa.

Para o empregado, o desvio de função acarreta em uma desvalorização de suas habilidades e competências profissionais, podendo levá-lo a insatisfações no trabalho ou prejuízos à sua autoestima.

Além disso, essa é uma prática que também promove perdas financeiras significativas ao trabalhador, uma vez que ele não está sendo devidamente remunerado para o trabalho que executa no dia a dia da empresa.

Para o empregador, as consequências do desvio de função no ambiente de trabalho também levam a penalidades financeiras. Quanto a isso, as orientações jurisprudenciais sçao bem claras, quando citam o seguinte acerca do desvio de função no trabalho:

OJ-SDI nº 125:

O simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes da vigência da CF/1988. Assim, provado o desvio de função, terá o empregado o direito ao recebimento das diferenças salariais entre seu cargo e o exercido desvirtuosamente, respeitada a prescrição de 05 (cinco) anos de acordo com a súmula 275 do TST.

Ou seja, o trabalhador vítima de desvio de função que ingressar com uma ação judicial contra o empregador, deverá ter seu salário reajustado para ficar em conformidade com as atividades que atualmente executa para a empresa. É importante destacar que esse reajuste deve ser aplicado de forma retroativa para o colaborador, bem como refletir todas as verbas salariais, como FGTS, aviso prévio, 13° salário, entre outros.

Caso a atividade prestada pelo empregado tenha remuneração inferior, cabe ao empregador o pagamento de indenização por danos morais. Além disso, dependendo do caso, o empregado também pode entrar com o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho para receber todas as verbas rescisórias e diferenças salariais a que tem direito.

O desvio de função no trabalho pode até mesmo causar prejuízos à imagem da empresa, além de comprometer a contratação e retenção de novos talentos na organização. Ou seja, essa é uma prática onde todos saem perdendo e, por isso, deve ser evitada.

O que fazer em caso de desvio de função no trabalho?

Caso o trabalhador perceba que há divergências entre as funções que executa no seu dia a dia de trabalho e as funções registradas em seu contrato de trabalho, inicialmente ele deve buscar seu empregador e relatar sobre a ocorrência do desvio de função no trabalho, a fim de regularizar sua situação.

Contudo, se mesmo notificando o problema, ele continue a ocorrer, o empregado deve procurar o sindicato da sua categoria ou um advogado trabalhista para obter orientações sobre como proceder e, se for o caso, ingressar com uma ação judicial contra a empresa para pleitear seus direitos trabalhistas.

Entenda que, por mais comum que possa parecer, o desvio de função é uma prática não legalizada e que deve ser combatida. Portanto, se você está ou conhece alguém que esteja vivenciando essa dinâmica em sua relação de trabalho, saiba que existem medidas legais que pode adotar para impedir a perpetuação dessa irregularidade no ambiente de trabalho.

Fale agora mesmo com um de nossos consultores pelo chat ao lado e obtenha todas as orientações necessárias acerca de como proceder em caso de desvio de função no trabalho.

Welington Augusto

Advogado especializado em Direito do Trabalho focado nos direitos dos trabalhadores. Autor de artigos jurídicos e palestras, além de divulgar conteúdo em vídeo na internet sobre os direitos dos trabalhadores.

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