Família e Cível

Guarda dos animais de estimação após o fim do casamento

Nos dias de hoje em que grande parte das famílias possui um animal de estimação, se faz necessário enfrentar a problemática que surge quando ocorre a dissolução do vínculo conjugal dos tutores deste animal.

Em relação aos filhos como já estudamos, a fim de remediar o término do vínculo há o instituto da guarda na sua espécie definida em cada caso concreto. Todavia, os animais de estimação são resguardados por algum ordenamento jurídico?

Em vias de buscar uma solução para os casos de determinação da guarda dos animais de estimação, este se tornou um tema frequente no Judiciário, em razão da nova configuração familiar com a crescente vinculação dos humanos com os animais de estimação.

Animais de estimação

A questão da guarda dos animais de estimação se inicia com o fato de que o Código Civil tipifica animais como coisas, ou seja, não possuem personalidade jurídica, de modo a não possuir direitos e deveres. Desta forma, são enquadrados como bens semoventes, conforme preceitua o artigo 82:

Código Civil, Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.

Todavia pondera o autor Flávio Tartuce que é de conhecimento geral que os animais possuem um valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos entre estes e seus donos, diferentemente de outros bens móveis ou imóveis.

Desta forma, tanto a doutrina como a jurisprudência frente aos casos que envolvem animais, possuem três correntes que atualmente pairam o sistema jurídico brasileiro.

  1. Animais elevados ao status de pessoa – tento em vista que o ser humano também é um animal, não tratar os animais de estimação como detentores de direitos da personalidade, este fato configuraria um ato discriminatório;
  2. Animais com proteção diferente do objeto – com a separação do conceito de pessoa e animal, todavia com um tratamento ao animal como sendo animal e não como objeto na qualidade de patrimônio do proprietário;
  3. Animais são coisas – esta corrente é a mais tradicional a qual se alinha com o dispositivo expresso do Código Civil, sugerindo que se mantenha a tipificação dos animais mesmo os de estimação dentro da categoria de coisas e bens.

Pondera o autor que o fato é que mesmo que haja a questão do afeto entre as pessoas e seus animais de estimação, isto não seria suficiente no sentido de alterar a substância modificando a natureza jurídica na qual se encontram, qual seja, como coisas.

Modificar a natureza jurídica dos animais de estimação desencadearia uma série de questões a serem resolvidas, tornando o tema extremamente complexo, citamos alguns exemplos, como sendo sujeitos de direitos, os animais também possuiriam deveres? E a questão do contrato de compra e venda de animais? Existiria uma diferença entre os animais de estimação e os demais? Quais seriam estes animais de estimação?

Entretanto, esta qualificação em nada ajuda a sanar os atuais conflitos familiares na questão da guarda dos animais de estimação. Por tal razão, a jurisprudência mesmo não querendo os igualar a pessoas, tende a aplicar a regra aplicada aos filhos em caso de divórcio ou dissolução de união estável, qual seja, as regras da guarda e regime de visitação.

Guarda dos animais de estimação

Guarda dos animais de estimação

Como visto, atualmente não há no ordenamento jurídico brasileiro dispositivos específicos em relação à disputa da guarda dos animais de estimação após a dissolução do casamento ou união estável.

Deste modo, a jurisprudência passa a aplicar por analogia institutos que pertencem ao direito de família, com suas devidas adaptações, como é o caso da guarda.

A guarda passou a ser utilizada nestes casos em que não há mais a convivência dos tutores, tendo em vista que partindo do fato de serem considerados bens móveis, aplicar o instituto do regime de bens não estaria alinhado com o bem estar animal.

Deste modo, com a aplicação do artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, na falta de legislação própria o julgador passa a analisar a questão por analogia.

Porém, deve haver as devidas adaptações tendo em vista que apesar da utilização da legislação atinente ao direito de família, que resguarda os filhos em caso de divórcio ou dissolução da união estável, não é o caso de humanização dos animais, de modo que ao decidir quanto à guarda, se levará em conta os interesses dos tutores e não propriamente do animal.

A partir disso, ambos possuem direitos e deveres em relação as necessidades do animal, levando em conta tanto aspectos afetivos como materiais, afinal ter um animal de estimação é oneroso.

No caso dos animais de estimação a guarda pode ser:

  • Unilateral: A guarda fica apenas com um dos tutores, havendo a regulamentação do direito de visitas;
  • Compartilhada: obrigação igualitária de ambos em relação as necessidades e decisões referente ao animal. Há uma residência fixa, porém, há direito a visitas e participação da rotina;
  • Alternada: Não há previsão desta no ordenamento jurídico brasileiro em relação a filhos, todavia no caso dos animais é possível aplicar. Se caracteriza pela alternância de residência em determinados dias, semanas ou meses. Assim, não há residência fixa, e as despesas são suportadas por quem está com a custódia ou divididas.

Deste modo, a depender do caso concreto e do interesse das partes, será adotada uma das modalidades da guarda, adaptadas ao contexto do animal e seus tutores.

Jurisprudência

Jurisprudência

Ante as lacunas do ordenamento jurídico em relação a guarda dos animais de estimação, cumpre ao Judiciário aplicar as regras frente ao caso apresentado.

O STJ já possui inúmeros julgados em relação a possibilidade de aplicação por analogia do instituto da guarda, bem como do regime de visitação. Assim, abriu-se precedentes de aplicação nos Tribunais neste mesmo sentido.

Vejamos um exemplo de caso concreto de aplicação da guarda de animais de estimação por meio do processo nº 1001694-26.2018.8.26.0464 julgado pela 6ª Câmara de Direito Privado do TJSP, em 15 de janeiro de 2021.

A ação tratava do divórcio e partilha de bens em que a controvérsia era quanto ao compartilhamento da posse do animal de estimação.

A sentença determinou que a guarda seria de 50% para cada, separada semanalmente, do tipo alternada.

Todavia o tutor recorreu da decisão afirmando que a sentença tratou o animal como bem móvel e que a distância da residência afetaria o animal que estava acostumado a viver na casa deste, requerendo que houvesse modificação na sentença a fim de determinar que a guarda seja unilateral, com o direito de visitas em domingos alternados.

Ao chegar para apreciação do Tribunal, o relator destacou que os animais são considerados bens semoventes e que o entendimento do STJ no sentido da possibilidade de aplicação de regime de visitação e guarda, tendo em vista que é cada vez mais comum conflitos referentes a animais de estimação, com os quais os tutores possuem um vínculo afetivo.

Assim, analisando o caso concreto em que ambos os tutores manifestam a intenção de manter o animal para si, a melhor solução para o caso é a aplicação da guarda compartilhada, devendo as partes empreender esforços para que a distância entre as residências não seja empecilho para a boa operacionalização da guarda. Desta forma, a sentença foi mantida.

A partir deste caso, foi possível verificar que a jurisprudência passou a ter papel importante face estes casos em que se discute a guarda dos animais de estimação após o fim de um relacionamento.

Pensão alimentícia

A partir do entendimento de ser possível a aplicação do instituto da guarda nos casos de ambos os tutores possuírem interesse em permanecer com o animal de estimação, caminha junto com este outro instituto, a pensão alimentícia.

Assim, chegou recentemente para apreciação do STJ um caso em que após o fim da união, a mulher alega que passou a arcar com os custos da manutenção dos dois cães adotados na constância da união estável.

Deste modo recorreu ao Judiciário, por meio de uma ação de cobrança de valores despendidos em favor dos animais. Na sentença, o ex-companheiro foi condenado no importe de R$20.000,00 (vinte mil reais) e a arcar com uma contribuição mensal de R$500,00 (quinhentos reais).

No segundo grau, foi confirmada a sentença. Assim, o réu recorreu da decisão, em recurso especial, o qual se encontra no STJ sob nº  1.944.228, onde ele alega que o processo versa sobre pensão alimentícia por se tratar de prestações periódicas de modo que se aplica a prescrição de dois anos para requerer a pensão, os quais já teriam passado.

O recurso encontra-se concluso para julgamento com a 3ª Turma do STJ, sob relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Vamos aguardar esta decisão para conversar mais sobre a aplicação da pensão alimentícia em face dos casos de guarda dos animais de estimação.

Considerações finais

considerações finais

Feito este panorama geral em relação a discussão da natureza jurídica dos animais, bem como das consequências ao querer a alterar, percebe-se que atualmente os animais pertencem a categoria das coisas, sendo bens semoventes.

Diante da dinâmica familiar atual, diversos Projetos de Lei com o teor de suprimir as lacunas do ordenamento jurídico surgiram, porém, não tiveram sucesso sendo arquivados. Deste modo, ainda não há previsão de legislação que preveja pontos importantes face ao cenário atual, de forma que cabe ao judiciário analisar cada caso, ou, ainda, cada uma das partes em comum acordo.

Por outro lado, a jurisprudência e a doutrina ao analisarem a questão da guarda dos animais de estimação ponderam o vínculo afetivo que os animais possuem com seus tutores, no sentido de que na atualidade estes animais são considerados integrantes importantes na família, gerando conflitos no caso de dissolução desta família seja pela dissolução do casamento ou união estável.

Assim, na falta de legislação própria para reger a guarda dos animais de estimação, a tendência é a aplicação por analogia dos institutos próprios do direito de família, como é o caso da guarda.

A guarda dos animais de estimação é tema que atualmente, conforme decisão de diversos Tribunais, como TJSP e TJRS, é de competência das Varas de Família, momento em que será avaliada a questão de quem ficará com a guarda do animal.

Todavia, em consequência da aplicação do instituto da guarda, surge a questão da possibilidade ou não de requerer pensão alimentícia em favor do animal de estimação nestes casos. E assim, aguardamos a decisão do STJ que julgará um caso com este contexto.

Se restaram dúvidas sobre a guarda dos animais de estimação, estamos à disposição via chat!

Isabella Leite

Advogada, autora de artigos jurídicos, Pós-Graduanda em Direito Público pela ESMAFE-RS, Graduada em Direito pela PUC-RS.

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