Família e Cível

Dano decorrente de defeito de produto

Ao estudarmos a possibilidade de ocorrência de danos a serem reparados, surge a questão muito presente no cotidiano que se trata da responsabilidade civil nas relações de consumo decorrentes de danos.

Este tema é muito amplo, sendo diversos os fatos geradores desses danos que devem ser reparados, de forma que vamos individualizar o campo de estudo em diversos artigos a serem publicados aqui no site.

Assim, o tema do presente artigo se refere a responsabilidade civil do dano decorrente de defeito de produto. E vamos combinar, defeito em produto dada a larga escala de comercialização, em razão da possibilidade de vendas online e consequente alta na demanda e necessidade de agilidade, faz com que surja uma pressão para a produção dos produtos até que seja entregue ao consumidor da forma mais rápida possível. Por conta disso, este tema passou a tomar espaço das conversas e reclamações em sites, Procon e principalmente no Judiciário.

Feita esta breve introdução do tema deste artigo vamos agora ao estudo da responsabilidade civil quando se trata de relação consumerista.

Responsabilidade civil

A doutrina entende que a responsabilidade civil está ligada a uma ação ou omissão que passa a violar uma norma, sendo que esta pode se dar diante da legislação ou mesmo de um contrato.

Os elementos que precisam estar presentes para a caracterização da responsabilidade civil são:

  • Dano
  • Conduta
  • Nexo de causalidade

Desde já citamos que existem duas modalidades de responsabilidade civil, de forma simplificada, a responsabilidade objetiva é aquela relacionada ao risco da atividade que a pessoa ou empresa exerce, e a responsabilidade subjetiva quando há a necessidade de comprovação da culpa do agente.

Quando se trata de relação de consumo – sendo aquela envolvendo um consumidor e um fornecedor – o Código de Defesa do Consumidor adotou a responsabilidade objetiva, conforme artigos 12 e 14:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Da mesma forma, a responsabilidade civil objetiva está prevista no Código Civil em seu artigo 927:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Ou seja, nas relações de consumo em regra não é necessário provar a culpa do fornecedor, que será de qualquer forma responsabilizado pelos danos.

A responsabilidade civil objetiva se baseia na Teoria do Risco, a qual conforme o autor Orlando Gomes “certas atividades do homem criam um risco especial para os outros, e a segunda, a consideração de que o exercício de determinados direitos deve implicar a obrigação de ressarcir os danos que origina.”

Assim, vamos ao tema principal do presente artigo, quando ao dano decorrente de defeito de produto.

Dano decorrente de defeito de produto

Dano decorrente de defeito de produto

Como é bem colocado pelo Professor Luiz Gastão Paes de Barros Leães, em decorrência do crescimento populacional e urbanização adicionado ao desenvolvimento de mecanismos de produção, este fato trouxe notável aumento de riscos e danos.

É claro que os fornecedores buscam inserir no mercado bens e serviços adequados ao consumo, os quais passem a segurança e eficiência necessária para a sua utilização, sendo que para isso há um procedimento a ser seguido como testes e controles de qualidade de forma anterior a sua comercialização.

Este procedimento busca evitar que os serviços e principalmente os produtos estejam eivados de vícios que podem gerar danos, ou seja, este controle busca eliminar ou pelo menos reduzir a colocação no mercado de produtos defeituosos.

Todavia, apesar do rigoroso controle é possível que produtos entrem no circuito comercial com defeitos que ocasionam danos seja em face da saúde, segurança ou patrimônio do consumidor.

Desta forma, tendo em vista que o fornecedor é aquele que lucra com a atividade, este deve, conforme a Teoria do Risco criado que está presente na legislação consumerista, reparar os danos causados aos consumidores pelo fato de desenvolver uma atividade potencialmente danosa, assumindo este risco.

Assim, cabe ao fornecedor, de acordo com o artigo 8º do Código de Defesa do Consumidor os seguintes deveres, os quais são enumerados pelo Autor João Batista de Almeida:

  • Não colocar no mercado produtos e serviços que impliquem riscos à saúde e segurança, exceto os havidos normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição;
  • Dar ao consumidor informações necessárias e adequadas a respeito do funcionamento e da potencialidade danosa.

Caso o fornecedor não observe estes deveres legais, nasce a responsabilidade civil do fornecedor no que diz respeito à reparação em face dos defeitos apresentados por produtos que este forneceu.

Isto porque evidente o elo que existe entre o produto e o fornecedor, de modo que o fabricante, o produtor, o construtor e o importador são os autores da colocação no mercado do produto defeituoso.

Assim, estes agentes assumem o risco das atividades que são inerentes aos agentes acima citados, no que concerne ao projeto, fabricação, construção, montagem, manipulação ou acondicionamento, além daquelas decorrentes de insuficiência ou inadequação de informações sobre utilização e riscos dos produtos e serviços.

O artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor então prevê a chamada responsabilidade solidária quando se fala em mais de um fornecedor:

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

Portanto, em relação a responsabilidade do fornecedor, a legislação é clara no sentido de que se aplica a responsabilidade civil objetiva, não sendo necessária a demonstração de culpa.

Mas e agora, o comerciante possui alguma responsabilidade?

A reposta é, depende!

Isto porque, vai depender da situação do caso concreto. Em regra, para já termos uma noção, tendo em vista que a responsabilidade pela colocação do produto defeituoso no circuito comercial é do fornecedor, não possui o comerciante interferência em relação aos aspectos intrínsecos dos produtos que comercializa, sem possibilidade de teste ou detectação de eventuais defeitos ocultos.

Porém, como mencionado, há casos em que a legislação insere o comerciante como igualmente responsável pelo dano causado por produto defeituoso, passando a integrar a cadeia da responsabilidade por conta de dano decorrente de defeito de produto. Assim, passamos a leitura do artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:
I – o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;
II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;
III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso.

Estando bem claro quanto a responsabilidade objetiva adotada pela legislação, precisamos ter em mente quais os pressupostos necessários para que se configure a responsabilidade pelo produto defeituoso:

  • Colocação do produto no mercado – fazer ingressar em circulação comercial produto potencial­mente danoso que possa causar lesões aos interesses dos consumidores.
  • Relação de causalidade – diz respeito a causa e efeito entre a ação de colocar em circulação o produto e o dano verificado;
  • Dano ressarcível – se refere ao produto causado ao consumidor, sendo os danos emergentes (prejuízos efeitos), bem como os lucros cessantes (poderiam ser previsíveis na data da infração).

Para finalizar, o dano decorrente de defeito de produto será reparado nos seguintes sentidos, a indenização pelo produto danificado, e também eventuais despesas médicas, lucros não auferidos, objeto e imóveis danificados, redução da capacidade laborativa.

Isto mesmo, nem sempre será apenas um objeto com defeito que será indenizado, mas podem ocorrer danos mais graves que interferem diretamente na saúde e segurança do consumidor.

Excludentes de responsabilização

Até aqui entendemos que no dano decorrente de defeito de produto aplica-se a responsabilidade civil objetiva, cabendo a reparação pelos danos causados.

Como fora mencionado, em regra o Código de Defesa do Consumidor busca proteger o elo mais fraco da relação de consumo, qual seja, o consumidor. Todavia, para toda regra há uma exceção, e no presente caso isto também se aplica.

A própria legislação buscou deixar bem claro este ponto no artigo 12, §3º, vamos a eles:

  • I – Prova que não colocou o produto no mercado – neste caso a responsabilidade é daquele que efetivamente colocou no mercado o produto defeituoso;
  • II – Defeito inexistente – o fornecedor efetivamente colocou o produto no mercado, todavia o defeito apontado não existe, não havendo o dever de indenizar, pois não há nexo de causalidade;
  • III – Culpa exclusiva do consumidor ou terceiro – não há nexo de causalidade, por exemplo a partir de um uso negligente como a inobservância das instruções, do prazo de validade e uso anormal. Deve-se estar atento que aqui só se exime a culpa do fornecedor quando a culpa é exclusiva do consumidor ou terceiro e não concorrente;
  • Em caso fortuito ou força maior – este caso está previsto no Código Civil em seu artigo 393, parágrafo único, sendo o caso fortuito é o evento que não se pode prever e que não podemos evitar. Por outro lado, os casos de força maior seriam os fatos humanos ou naturais, que podem até ser previstos, mas da mesma maneira não podem ser impedidos. Temos por exemplo, raios, guerras, tornados.

Ainda em relação a possibilidade de exclusão, o legislador buscou reforçar a tutela do consumidor, proibindo as chamadas cláusulas de irresponsabilidade ou de não indenizar, conforme artigo 25:

Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.
§ 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.
§ 2° Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação.

Ademais, impede a exoneração do fornecedor nos casos de ignorância sobre vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços, sendo dispensável o termo expresso para que a garantia se efetive.

STJ

STJ

Para finalizar, recentemente o STJ ao julgar um caso sobre dano decorrente de defeito de produto se deparou com uma causa excludente acima estudada, qual seja a inexistência de defeito.

O caso – REsp 1.955.890 – girava em torno de quem era o ônus de comprovar a inexistência do defeito.

Nessa esteira a Terceira Turma entendeu que o consumidor precisa demonstrar a relação entre a causa e efeito entre o produto e o dano, o que basta para presumir a existência do defeito.

Para se eximir de reparar o dano, cabe ao fornecedor a comprovação, de forma cabal, da inexistência de defeito ou outra excludente de responsabilidade.

A relatora, Ministra Nancy Andrighi, explicou que para ser identificada a responsabilidade do fornecedor, deve-se analisar o defeito de produto em conjunto com os demais pressupostos da reponsabilidade civil, quais sejam a) a conduta; b) o nexo de causalidade; c) dano efetivamente sofrido pelo consumidor.

Nessa esteira, destacou que para ser afastada a responsabilidade deve o fornecedor comprovar uma das hipóteses do parágrafo 3º do artigo 12. Sendo que se aplica em decorrência o que está disposto no caput quanto ao responsabilidade objetiva.

Assim, a Turma reformou o acórdão do TJSP, o qual havia julgado improcedente a ação de indenização ajuizada pelo dono de um veículo incendiado, sob o fundamento de que o consumidor não comprovou a existência de defeito de fabricação que pudesse ter causado o sinistro

A relatora ressaltou, ainda, que “o consumidor cumpriu a exigência de prova do CDC ao demonstrar que o acidente de consumo derivou do produto, uma vez que o veículo pegou fogo. Mesmo que a perícia não tenha identificado a causa do incêndio, a inexistência de defeito no veículo deveria ser comprovada pelas rés – a fabricante e a concessionária –, que, não o fazendo, não se eximem da responsabilidade.”

Considerações finais

considerações finais

Para resumir o que estudamos neste artigo, percebemos que é interessante ter conhecimento da possibilidade de ser reparado em relação a dano decorrente de defeito de produto, tendo em vista a crescente comercialização nos dias atuais seja de maneira física ou online de produtos.

Presume-se a boa-fé do fornecedor ao colocar em circulação um produto, no sentido de realizar testes e controles rigorosos de qualidade a fim de que o consumidor não seja surpreendido por um defeito no produto, fazendo com que sua experiência de consumo seja ineficaz e até mesmo danosa para sua saúde e segurança.

Estudamos sinteticamente a responsabilidade civil nas relações de consumo, a qual incidi na modalidade objetivo, ou seja, não há a necessidade de comprovação da culpa do fornecedor para que este seja responsabilizado. Desta forma, é preciso que esteja demonstrada a conduta, o evento danoso e o nexo de causalidade.

Por fim, para exemplificar o dano decorrente de defeito de produto citamos um recente julgado do STJ o qual definiu que cabe ao fornecedor o ônus de prova de causa excludente de responsabilização, sendo que no caso o que se discutia era a inexistência de defeito em razão de um incêndio no veículo.

Desta forma, concluímos que no que diz respeito ao dano decorrente de defeito de produto temos a incidência da responsabilidade objetiva, a responsabilização do fornecedor e em determinados casos de forma solidária do comerciante, as causas excludentes e também a forma de reparação do dano, sendo que esta pode ser diretamente em relação ao produto, como também em face de lucros cessantes, danos emergentes, redução da capacidade laborativa e despesas médicas.

Para saber mais e em caso de dúvidas, entre em contato com nosso time de profissionais via chat, que o auxiliaremos da melhor maneira!

Isabella Leite

Advogada, autora de artigos jurídicos, Pós-Graduanda em Direito Público pela ESMAFE-RS, Graduada em Direito pela PUC-RS.

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