Família e Cível

Bem de família pode ser penhorado?

É de extrema valia ter conhecimento do que se trata o bem de família de forma a saber como proteger seu patrimônio e também saber seus direitos. O bem de família possui espécies e está diretamente ligado aos direitos fundamentais, os quais estão previstos na Constituição Federal.

Diante de diversas controvérsias os Tribunais já se debruçaram sobre questões a serem pacificadas, como será analisado no presente estudo. Além da famosa dúvida sobre a penhora do bem de família e suas exceções.

Antes de mais nada é preciso saber do que realmente se trata o bem de família. De forma bem objetiva, é a propriedade destinada a moradia da família, que detém proteção constitucional uma vez que está diretamente ligado ao direito à moradia., previsto no artigo 6º.

Na realidade muito mais que isto, há uma junção do direito social e fundamental à moradia, com a dignidade da pessoa humana, tendo em vista que busca a proteção do mínimo existencial para uma vida digna.

De acordo com o Autor Flávio Tartuce, diante da evolução constante das formas de família tem-se como bem de família o imóvel utilizado como residência da entidade familiar, e podendo ser decorrente de casamento, união estável, entidade monoparental ou demais manifestações familiares.

O objetivo desta proteção se da em relação a eventuais dívidas. O que se coloca em jogo é a superioridade do direito à moradia em face da quitação de uma dívida, haja vista ser um bem inerente à subsistência.

A previsão legal do bem de família se dá no Código Civil em seus artigos 1.711 a 1.722, na Lei 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade e a Lei 6.015/73 que trata dos registros públicos.

Mas dando sequência, você sabia que existem espécies de bem de família?

Espécies

Espécies

O bem de família se dá de duas formas previstas no ordenamento jurídico brasileiro, sendo o bem de família convencional ou também chamado de voluntário e o bem de família legal.

Convencional ou voluntário

Espécie prevista no Código Civil, artigos 1.711 a 1.722, é aquele bem de família instituído pelos cônjuges, pela entidade familiar ou por terceiro, por meio de escritura pública ou testamento. Há um limite patrimonial, sendo que essa reserva não pode ultrapassar 1/3 do patrimônio líquido do responsável pela instituição.

É claro que o objetivo desta limitação é a proteção de eventuais credores, tendo em vista que se a legislação desse liberdade ao instituidor, surgiriam casos de abuso desse modo de proteção patrimonial, violando o fim a que se destina.

Deve ser efetuada a constituição do bem de família convencional de forma escrita e registrada no Cartório de Registro de Imóveis. A partir disso o bem além de se tornar impenhorável se torna inalienável, isso mesmo, não poderá ser vendido.

A venda apenas é viável mediante consentimento dos interessados, que é a entidade familiar e seus representantes, com a devida oitiva do Ministério Público. Assim, deve ser fundamentada a necessidade de venda, dependendo de autorização judicial.

Ocorre que há exceções em relação a esta proteção que passa o imóvel a ter, conforme expresso no artigo 1.715 do Código Civil:

  • Dívidas de qualquer natureza anteriores a sua constituição;
  • Dívidas posteriores relacionadas a tributos relativos ao prédio, como o IPTU;
  • Despesas de condomínio.

A constituição do imóvel como bem de família cessa com o falecimento dos cônjuges e até que os filhos atinjam a maioridade.

Importante mencionar o que confere o artigo 1.719 “Comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público”.

A administração do bem de família cabe aos instituidores, sendo os cônjuges e na falta de um deles ao outro, sendo que após o falecimento, como visto, aos filhos, primeiramente ao mais velho. Havendo filhos menores, caberá ao tutor.

Destaca-se que esta espécie é pouco usada, devido à abrangência já garantida pela espécie legal que será tratada a seguir. Assim, passa a ser de pouca relevância prática, sendo que mesmo com sua constituição o bem de forma simultânea é protegido pela espécie legal.

Esta espécie possui legislação própria, qual seja, a Lei 8.009/90, que inicia seus comandos legais da seguinte forma, artigo 1º “O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”

O reconhecimento da impenhorabilidade pode se dar de ofício, sendo mais adequada a oitivas das partes, respeitando o devido contraditório e ampla defesa, bem como a requerimento do interessado.

A legislação específica entende como bem de família aquele destinado a moradia permanente da entidade familiar. Todavia de forma certeira o Superior Tribunal de Justiça compreende que o imóvel utilizado como fonte de renda para a mantença da entidade familiar também merece proteção, com a aplicação de forma indireta da proteção à moradia.

Importante questão surge quando a família possui mais de um imóvel como sendo permanente. Nesses casos a proteção recai sobre o de menor valor.

Quanto à propriedade rural, o § 2º do art. 4º da Lei nº 8.009/1990: “Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inc. XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural”.

Em relação ao que seria propriedade rural que é determinada pelo número de módulos, cada região possui um entendimento. Por conta disso, cabe a analise do julgador a fim de caracterizar o imóvel como apto à aplicação da impenhorabilidade.

Essa forma de bem de família independe de escritura pública, uma vez que se configura de forma impositiva.

Impenhorabilidade

Impenhorabilidade

De acordo com o artigo 1.712 do Código Civil “O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.”

Ocorre que algumas questões já chegaram aos Tribunais Superiores, de modo que houve a uniformização de entendimento por meio das seguintes orientações:

  • Súmula 205 STJ – A lei 8.009/90 aplica-se a penhora realizada antes de sua vigência – trata da possibilidade de aplicação retroativa da Lei 8.009/90 de forma a proteger tanto a família como a pessoa humana.
  • Súmula 364 STJ – O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.
  • Súmula 486 STJ – É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família.
  • Informativo 543 do STJ – Refere que mesmo que o proprietário não resida no imóvel em questão, se familiar residir, será aplicada a impenhorabilidade, sendo este imóvel o único bem do devedor.

A impenhorabilidade também é aplicada quando o imóvel mesmo que não sirva de residência, sirva para a subsistência. Por exemplo, um imóvel que o valor do aluguel seja destinado à manutenção familiar, sendo assim uma fonte de renda indispensável.

Contudo, válido mencionar o artigo 1.713 do Código Civil que limita o valor desta fonte de renda no sentido de que os valores imobiliários não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição.

Questão que muitas vezes gera controvérsia é em relação ao imóvel vazio, como um terreno desocupado ou não edificado. Porém a jurisprudência majoritária entende que nestes casos deve ser analisado a proteção de um direito à moradia potencial, que na realidade se encontra dormente no momento da discussão em reação à penhora.

Complementando, de forma a estender a abrangência do bem de família legal, entende o STJ que também é impenhorável o imóvel objeto de alienação fiduciária em garantir, em financiamento, ou seja, que ainda se encontra em fase de aquisição. (STJ, REsp 1.677.079/SP)

Em relação à limitação do bem a ser considerado bem de família, é irrelevante o valor, podendo em caso de possibilidade de desmembramento do bem, incidir uma penhora parcial, quando o imóvel é de alto valor.

Caso o devedor não tenha imóvel próprio, a impenhorabilidade recai sobre os bens móveis que guarnecem a residência, conforme preceitua o artigo 1º, parágrafo único, da Lei 8.009/90.

Para a devida comprovação do bem como bem de família é preciso apresentar documentação hábil a comprovar a destinação, como contas de luz, plano de saúde, água, matrícula do imóvel e escritura pública, contrato de compra e venda e documentos pessoais.

Além disso, destaca-se que a impenhorabilidade pode ser invocada em qualquer fase do processo.

Quando o Bem de Família pode ser penhorado?

Sim, há a possibilidade de penhora do bem de família, sendo que estas hipóteses previstas no artigo 3º da Lei 8.009/90, buscam evitar fraudes e também limitar à proteção para que seja aplicada diante da real necessidade e preservação de uma vida digna diante da realidade social.

Sendo assim, é possível penhorar bem de família quando se trata de:

Titular de crédito decorrente de financiamento destinado à construção ou aquisição de imóvel – se justificaria pelo fato de a dívida ter origem na própria existência da coisa, sendo de igual forma aplicada, segundo o STJ, em obrigação assumida para obras de condomínio;

  • Credor de pensão alimentícia, resguardado direitos do coproprietário;
  • Cobrança de impostos devidos em relação ao imóvel, inclusive condomínio;
  • Execução de hipoteca, oferecido o imóvel como garantia real – neste ponto o STJ tem afastado a penhora quando se trata de interesse apenas daquele que ofereceu o bem em hipoteca;
  • Imóvel adquirido como produto de crime;
  • Obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação urbana.

Ademais, o artigo 4º da referida lei assim determina “Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.”

Portanto, temos como regra geral a impenhorabilidade do bem de família, entretanto, utilizando o critério da ponderação, há exceções que visam a limitação da proteção destinada à moradia da entidade familiar.

Considerações finais

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De forma a resumir o que foi acima estudado, há requisitos para que o bem seja considerado bem de família, sendo eles a) instituidor seja proprietário com devido registro do Registro de Imóveis; b) Imóvel urbano ou rural destinado à residência familiar ou subsistência.

Pode se dar de duas formas, sendo a primeira menos utilizada, convencional ou voluntária que o interessado deseja constituir determinado bem como de família, levando tal intenção à registro. Na sequência e mais utilizada é a legal, em que a Lei 8.009/90 tem o papel de regular a questão da impenhorabilidade do bem de família, sendo que de igual forma disciplina limites desta proteção patrimonial, que na realidade passa a ser uma preservação da dignidade da pessoa humana.

Ademais, as limitações também visam a prevenção de fraudes, como ao mencionar casos em que não há impenhorabilidade, limitações de valores e impossibilidade de adquirir imóvel mais valioso estando insolvente a fim de transferir a unidade familiar.

Para finalizar, compreende-se que o bem de família é aquele considerado o mínimo existencial para uma vida digna a seu instituidor e sua família, de forma a ser uma proteção a moradia familiar, incidindo sobre as mais diversas manifestações familiares.

Se restaram dúvidas quando ao tema, fique à vontade para entrar em contato via chat!

Rafael Albertoni

Advogado, Mestre em Direito Político e Econômico, Pós-Graduado em Direito Tributário pela FGV, Graduando em Ciências Econômicas pela FECAP. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB.

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