Cabe isenção de imposto de renda para a previdência privada?
Antes de iniciarmos o tema sobre a possibilidade de isenção de imposto de renda para a previdência privada, é oportuno esclarecer previamente que no Brasil a isenção de imposto de renda para pessoa física (IRPF) está disponível para os proventos de aposentadoria, reforma ou pensão recebidos por quem tem doença considerada grave pela lei.
Isso significa que quem ainda está em atividade ou que tem outras fontes de rendimento ou renda não se beneficia pela regra. A grande questão está no tipo de aposentadoria, reforma ou pensão paga a conta deste ou daquele órgão instituidor, pois é muito comum aplicar a isenção para os beneficiários do INSS e nos esquecermos de quem se garante pela Previdência privada, ou complementar.
A confusão ocorre porque a qualidade jurídica da previdência pública (INSS) é muito diferente de uma previdência privada, enquanto esta última funciona mais como um investimento de poupança, a primeira depende da contribuição solidária de todos os inscritos e é de pagamento obrigatório.
Continue a leitura agora para compreender de que modo a isenção de imposto de renda pode sim ser aplicada ao universo da Previdência privada no Brasil.
Como funciona a Previdência privada no Brasil?
Uma isenção de imposto de renda pode ir além do INSS. A Previdência privada brasileira foi pensada para complementar as prestações da previdência pública, ou do regime geral, por isso ela é de adesão facultativa e está prevista no artigo 202 da Constituição Federal como um sistema de organização autônomo e regulamentado por lei complementar.
No Brasil, a previdência privada é regida pelas leis complementares número 108 e 109, abrangendo instituições fechadas, de acesso restrito, e abertas, de acesso amplo. Ao contrário da previdência pública, o pagamento de benefícios acontece por “resgate” dos participantes, como numa espécie de consórcio, em que você investe para retomar o valor investido ou com rendimentos no futuro.
Existem vários planos de contribuição e de benefício pela previdência complementar privada, definidos ou programados com antecedência, de valor fixo ou variável, a depender do caso concreto e do tipo de benefício.
Assim como no INSS, os “assistidos” da previdência privada também incluem os dependentes. A procura pelo regime complementar tem se dado de maneira crescente no país por dois grandes motivos, o primeiro é que o valor do teto previdenciário no INSS nem sempre é suficiente para o padrão econômico do segurado e o segundo, é pelo aumento da dificuldade nos requisitos de concessão e nos valores de benefício previdenciário desde as últimas reformas da Previdência.
Isenção de imposto de renda para o caso de doenças graves
Estão isentas do imposto de renda as pessoas com moléstia grave, beneficiadas pela Lei número 7.713/88, que recebam aposentadoria, pensão ou reforma. Por isso, em relação à atividade remunerada, as pessoas com deficiência ainda precisam contribuir se a remuneração for maior do que o previsto para a isenção geral (rendimentos acima de R$ 1.903,98 por mês para o ano de 2021).
As moléstias contempladas pela lei são as seguintes:
- AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida);
- Alienação mental;
- Cardiopatia grave;
- Cegueira;
- Contaminação por radiação;
- Doença de Paget em estados avançados (osteíte deformante);
- Doença de Parkinson;
- Esclerose múltipla;
- Espondiloartrose anquilosante;
- Fibrose cística (mucoviscidose);
- Hanseníase;
- Nefropatia grave;
- Hepatopatia grave;
- Neoplasia maligna (câncer);
- Paralisia irreversível e incapacitante;
- Tuberculose ativa.
É claro que não basta estar doente, pois o indivíduo deve buscar atenção médica para o diagnóstico com laudo clínico, lembrando que esse atendimento precisa ser realizado pelo Sistema Público de Saúde (SUS), porque a Receita federal não aceita laudos ou declarações médicas de profissional particular por falta de previsão legal.
Inclusive uma das juntas administrativas brasileiras que pensa e unifica as decisões administrativas em matéria tributária, o CARF, publicou o enunciado de súmula número 63, estabelecendo que “para o gozo da isenção de imposto de renda da pessoa física pelos portadores de moléstia grave, os rendimentos devem ser provenientes de aposentadoria, reforma, reserva remunerada ou pensão e a moléstia deve ser devidamente comprovada por laudo pericial emitido por serviço médico oficial da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios“.
Veja só um exemplo de concessão judicial da isenção:
“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. OMISSÃO INEXISTENTE. DEVIDO ENFRENTAMENTO DAS QUESTÕES RECURSAIS. IMPOSTO DE RENDA. MOLÉSTIA GRAVE. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. CARÁTER PREVIDENCIÁRIO ISENÇÃO.
[…] 2. O art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/88 estipula isenção de imposto de renda à pessoa física portadora de doença grave que receba proventos de aposentadoria ou reforma.
3. O regime da previdência privada é facultativo e se baseia na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, nos termos do art. 202 da Constituição Federal e da exegese da Lei Complementar 109 de 2001. Assim, o capital acumulado em plano de previdência privada representa patrimônio destinado à geração de aposentadoria, possuindo natureza previdenciária, mormente ante o fato de estar inserida na seção sobre Previdência Social da Carta Magna (EREsp 1.121.719/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/2/2014, DJe 4/4/2014), legitimando a isenção sobre a parcela complementar.
4. O caráter previdenciário da aposentadoria privada encontra respaldo no próprio Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n. 3.000/99), que estabelece em seu art. 39, § 6º, a isenção sobre os valores decorrentes da complementação de aposentadoria.(REsp 1507320/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/02/2015, DJe 20/02/2015)”.
Procedimento de pedido de isenção de imposto de renda para a previdência privada
Uma vez que a pessoa já tem o laudo médico do sistema público de saúde e está aposentada, recebendo pensão ou reforma, o próximo passo é formalizar o pedido de isenção, que não ocorre automaticamente.
Dependendo do tipo de laudo médico que foi fornecido para o interessado, o melhor é ir atrás de outro e vamos te explicar o porquê. Primeiro, se o laudo médico não indicar a data do início da doença, ele será considerado como a data de emissão do próprio laudo e o isento não terá direito à restituição daquilo que já pagou, em segundo lugar, facilita bastante se o aposentado ou pensionista procurar um médico da mesma entidade federativa vinculada ao órgão que paga seus rendimentos, por uma questão prática de retenção na fonte.
Por exemplo, se Joaquim recebe pelo INSS, uma autarquia federal, o ideal é que procure um complexo hospitalar ou unidade de atendimento da União para o seu laudo, porque desta forma o desconto do imposto de renda na fonte já deixa de acontecer. Em cidades muito pequenas, em que isso é mais difícil, o atendimento no posto municipal não impede a isenção, no entanto, a documentação deve ser apresentada ao INSS ou ao órgão de Previdência complementar para a validação.
Lembrando que mesmo o isento deve declarar em alguns casos, apresentando formulário anual de declaração de rendimentos. Para mais informações, a Receita Federal disponibiliza algumas observações e ressalvas no site institucional do Governo federal, basta clicar aqui.
Quando acionar o Poder Judiciário?
Dificilmente quem está em posse de laudo, que atesta uma das doenças da lei de número 7.713/88, e, apresenta a documentação para o órgão responsável pelo pagamento do seu benefício terá problema em ver reconhecido o direito de isenção.
Isso porque a própria Receita federal instrui o público no sentido de que “a complementação de aposentadoria, reforma ou pensão, recebida de entidade de previdência complementar, Fundo de Aposentadoria Programada Individual (Fapi) ou Programa Gerador de Benefício Livre (PGBL) e os valores recebidos a título de pensão em cumprimento de acordo ou decisão judicial, ou ainda por escritura pública, inclusive a prestação de alimentos provisionais recebidos por portadores de moléstia grave são considerados rendimentos isentos.”
O fundamento legal está previsto no artigo 39, parágrafo 6º, do decreto de número 3.000 de 1999, cujo texto expressamente autoriza a isenção para “valores de complementação de aposentadoria”, sendo exatamente esse o papel dos benefícios de Previdência complementar para os inativos.
No entanto, o problema pode surgir se a doença for de fato grave, mas não estar prevista na lei. Casos assim foram e são apresentados em massa ao Poder Judiciário brasileiro, mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) teve a oportunidade de se pronunciar, recentemente, sobre a matéria ao julgar o recurso especial 1.116.620 no tema de número 250.
Por meio desta decisão, a Corte decidiu que a lista de doenças da lei é fechada, não permitindo que outros problemas de saúde, ainda que graves, viabilizem a concessão da isenção. Da mesma forma, não permite estender o benefício para pessoas em atividade e a explicação para isso é técnica.
De acordo com as regras da legislação tributária, mais especificamente do artigo 111 do Código Tributário Nacional, a interpretação de norma de isenção não pode ser ampliativa, no sentido de expandir o alcance para situações além do texto expresso da lei.
Como os demais órgãos de jurisdição estão vinculados à decisão do Superior Tribunal de Justiça, até que a própria Corte ou o Supremo Tribunal Federal mude esse entendimento, a judicialização para reconhecer novas doenças graves para a isenção de imposto de renda dificilmente deve prosperar.
Agora se o próprio órgão de Previdência complementar ou de outro regime se negar a processar o pedido, receber os documentos e, por isso, continuar a descontar na fonte os valores de imposto, o beneficiário pode e deve judicializar para gerar justiça no caso concreto.
Afinal, a grande intenção deste benefício fiscal é facilitar o acesso aos direitos humanos de manter a capacidade de suprimento das necessidades básicas, principalmente no que se refere à população inativa acometida por doença grave, pois sabemos que as despesas são tremendas e podem afetar a subsistência familiar.
Notas conclusivas
A Previdência privada tem despertado curiosidade no Brasil, considerando que o regime geral do INSS tem sido reduzido por políticas legais e econômicas, principalmente nos últimos cinco anos.
Por isso, ela tem servido de opção para complementar a aposentadoria, proteger dependentes em caso de óbito ou gerar benefício programado de longo prazo, para quem deseja se planejar financeiramente.
Apesar do aposentado do INSS estar livre da contribuição previdenciária ao se aposentar, ele não está isento do imposto de renda se o valor recebido for maior do que aquele previsto para a isenção geral.
No entanto, os inativos com doença grave prevista na lei de número 7.713/88, além de isentos da contribuição previdenciária no INSS, também podem protocolar isenção do imposto de renda, que são encargos diferentes.
Em caso de dúvidas ou sempre que houver necessidade de algum atendimento jurídico, não deixe de entrar em contato com um advogado especializado da sua confiança.