Tenho direito à indenização do seguro de vida por sequelas da Covid-19?
As seguradoras não aceitaram muito bem os primeiros pedidos de indenização do seguro de vida para covid-19. No início do mês de março de 2020, a pandemia causada pelo vírus denominado cientificamente como “Covid-19” e comumente chamado de “Coronavírus” chegou ao Brasil e, a passos largos, restou clara a incapacidade do ordenamento jurídico brasileiro em executar planos de controle e de gestão sobre os impactos da pandemia.
Objetivando a paz social e para assegurar os valores nutridos pela norma constitucional, o Estado estabeleceu meios jurídicos de legalidade extraordinária, ou seja, algumas ferramentas específicas para a situação de crise que se instaurava.
Neste contexto, a pandemia mundial desencadeada pelo vírus Covid-19 levou o Poder Público a reconhecer, através do Decreto Legislativo número 6 de 2020, a ocorrência de um estado de Calamidade Pública, justamente para viabilizar, formalmente, a prevenção e adoção de medidas que permitissem ao Estado editar leis e fazer passar medidas que provavelmente não vingariam em tempos normais.
A grande confusão surgiu quando o cenário pandêmico passou a causar conflitos entre União Federal, Estados e Municípios, agravando um problema crônico, mas também velho conhecido da realidade brasileira: a tensão desgastante entre os entes da federação, expondo fatores críticos como a fragilidade do sistema de saúde, a desigualdade social, a insegurança jurídica e a instabilidade política e econômica.
O que diz a lei sobre a cobertura e indenização do seguro de vida?
O seguro de vida para Covid-19 foi só mais um tema dentro da enorme sombra da insegurança jurídica do momento, isso porque a pandemia desafiou a edição, por parte do Governo Federal, de mais de 300 normas no Brasil, entre projetos de lei, medidas provisórias e regulamentações normativas.
Nesse ritmo, com o intuito de reagir ao estado de calamidade pública já reconhecido, bem como à situação de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Covid-19, foi aprovado no Senado Federal o Projeto de Lei número 2.113 de 2020 em 20 de maio do ano passado e na sequência enviado para a confirmação da Câmara dos Deputados, onde o projeto ainda se encontra em fase de tramitação no mês de junho de 2021.
O Projeto de Lei número 2.113 visa adicionar o artigo 6º-E à Lei número 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, dispondo sobre medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de relevância internacional para determinar que o seguro de assistência médica ou hospitalar, bem como o seguro de vida ou de invalidez permanente, inclusive os que já se encontram em vigência, não podem conter restrição de cobertura a qualquer doença ou lesão decorrente da infecção causada pela Covid-19, de que trata a lei.
O noticiado projeto de lei tem por objetivo criar uma norma temporária para uma situação transitória, não incluindo, portanto, futuras pandemias, ou seja, sua vigência seria apenas para a atual situação de pandemia por Covid-19. Assim sendo, a ambição do Projeto de Lei 2.113 é resguardar os segurados, com base nos princípios da boa-fé e da defesa do consumidor.
O seguro de vida constitui-se em um contrato, firmado por uma pessoa (o segurado) junto a uma seguradora ou instituição bancária, buscando garantir segurança e tranquilidade na hipótese de algum sinistro (acontecimento que gera cobertura), como por exemplo, um acidente ou uma doença que acarrete incapacidade ou falecimento. São disponibilizados atualmente vários tipos de cobertura e de valor, que se encaixam em diferentes perfis de clientela, como idade, atividade profissional, etc.
Através do contrato firmado, o segurado efetua o pagamento de um valor mensal, denominado prêmio, à seguradora ou banco, o qual é previamente ajustado e, em caso de ocorrência de um sinistro, os beneficiários, também previamente determinados terão direito ao recebimento de uma indenização.
O seguro de vida, necessariamente, cobre o risco de morte natural, sendo esta a cobertura mais básica considerada. Além disso, há a possibilidade de existir coberturas complementares dentro do mesmo contrato, como por exemplo, por morte acidental, invalidez permanente (total ou parcial), diárias de incapacidade temporária ou cobertura por doenças graves, internação hospitalar, dentre outras.
Qual é a orientação do órgão regulatório, ou da SUSEP, sobre o assunto?
A Superintendência de Seguros Privados ou SUSEP é o órgão regulador dos seguros no país. É por meio da Circular expedida pela SUSEP de número 440 em 2012, que se autorizou que as seguradoras ou instituições bancárias excluam da cobertura securitária os riscos desencadeados por “epidemia ou pandemia declarada por órgão competente”.
Valendo-se desta autorização do órgão regulador, a maioria dos contratos de seguro de vida prevê a exclusão dos riscos originados por epidemia ou pandemia, como é nosso caso no momento, sustentando que o seguro de vida não possui cobertura para este tipo de acontecimento.
Assim, em tese, os segurados que forem acometidos pela Covid-19, responsável pelo atual cenário pandêmico mundial, se falecem ou passam por incapacidade (sequela), a seguradora ou instituição bancária estaria isenta de realizar o pagamento da respectiva cobertura securitária aos beneficiários.
Todavia, muito embora exista essa orientação regulamentar pela Superintendência de Seguros Privados, a SUSEP, no sentido de autorizar a exclusão do risco decorrente de estado de epidemia ou pandemia, a referida previsão precisa estar em consonância com o ordenamento jurídico brasileiro como um todo.
Se ocorre de fato uma mudança na lei 13.979 de 2020, ela teria o efeito de jogar por terra a circular da SUSEP que exclui a cobertura, porque enquanto a lei tem força contra todos dentro do território nacional, e, por isso, é indistintamente obrigatória, a circular não deixa de ser um instrumento apenas para a orientação administrativa do órgão que a emite, abaixo da lei.
Como resolver: posso me apoiar no Código do consumidor nesse momento?
Do ponto de vista legal, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) determina, de forma expressa em seu artigo 3º, parágrafo 2º, que a atividade securitária se enquadra no conceito de serviço, de modo que devemos aplicar a legislação do consumidor para proteger o segurado no campo dos contratos de seguro de vida.
Partindo desse ponto, a pretensão de eventuais limitações ou exclusões de cobertura dos seguros devem, obrigatoriamente, serem analisadas à luz do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a referida legislação prevê, a exemplo do que ocorre no artigo 51, a nulidade de cláusulas contratuais que colocam o consumidor em situação de “desvantagem exagerada, ou que sejam incompatíveis com a boa-fé (transparência) ou a equidade (igualdade de compromisso)”.
O Poder Judiciário encara a recusa de cobertura em decorrência da Covid-19 como uma conduta que impõe desvantagem excessiva ao consumidor, com violação às regras de proteção a ele. No mesmo sentido, o artigo 765 do Código Civil Brasileiro de 2002, estabelece que: “o segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes“.
Pela análise dos fundamentos legais trazidos, verifica-se que a seguradora ou instituição bancária, enquanto prestadora do serviço, não pode se isentar do risco inerente à sua própria atividade, através da inserção, no contrato, de cláusulas de exclusão de cobertura securitária, porque conforme definidas pela Lei Consumerista, seriam consideradas abusivas.
Com efeito, é possível partir das seguradoras ou das instituições bancárias a alegação de que o risco, decorrente de pandemias e epidemias seria incalculável, por constituir-se em circunstância excepcional, imprevisível ou inevitável, o que poderia de fato justificar uma dificuldade financeira anormal para o pagamento de todas as coberturas. Contudo, nosso Código do consumidor proíbe ao prestador de serviço que ele transfira o risco do negócio para o cliente.
Ainda que o custo financeiro seja maior neste momento, não podemos dar razão às seguradoras ou instituições bancárias, tendo em vista que é ônus (encargo) delas comprovar que a situação particular, de cada caso é de forma efetiva e contundente impactante sobre o fluxo das coberturas securitárias.
É por esse motivo que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) historicamente tem negado a exclusão de cobertura por parte das seguradoras através da cláusula geral nos contratos padrão. Essa sim seria uma desvantagem desproporcional ao segurado já que ele se veria desassistido sempre que precisar acionar o seguro para cobrir motivos que teriam sido a própria razão dele procurar um plano de seguro para a contratação em primeiro lugar.
Durante o julgamento do Recurso especial número 1635238 no ano de 2019, pelo STJ, a ministra relatora Nancy Andrighi enfatizou a necessidade de se evitar essa irresponsabilidade por parte das seguradoras que pudessem causar uma negativa generalizada de cobertura, aplicada em qualquer caso para os acidentes pessoais.
Apesar de o seguro ser um contrato de risco, ou seja, a contratação não promove, necessariamente, uma contrapartida direta para quem contrata, o segurado só faz a contratação porque sabe que caso precise será atendido. Por isso, excluir o atendimento de antemão faz com que esse tipo de contratação perca o sentido.
Muito embora os níveis de contaminação da população sejam expressivos, isso não representa, em termos absolutos, um grau de letalidade convincente que automaticamente gere gastos ou procedimentos que as seguradoras ou instituições bancárias não possam suportar. Afinal, o risco não é somente para um dos contratantes.
Ajuda na afirmação acima a constatação de que várias seguradoras estão veiculando nos informes publicitários que elas irão efetuar, espontaneamente, o pagamento dos seguros de vida aos segurados, em razão de sinistros originados pela Covid-19, com flexibilização, assim, das exclusões securitárias previstas no contrato padrão de seguro.
Notas conclusivas
Muito embora a notícia do pagamento espontâneo pelas seguradoras ou bancos possa trazer ao segurado certo conforto, não devemos concluir que essa espontaneidade demonstrada se trata de um favor ou de generosidade.
Isso porque apesar de não termos ainda uma lei que as obrigue o pagamento do seguro de vida para COVID-19, nosso sistema nacional de leis e princípios permitiria processos favoráveis aos segurados na Justiça.
Na hipótese de haver mudança futura nessa postura das seguradoras, ou qualquer negativa de cobertura particular é sempre viável admitir que o consumidor encontre vastos fundamentos jurídicos para exigir seu direito no Poder Judiciário, por isso diante do desamparo das seguradoras neste momento crucial da saúde pública, o primeiro passo é sempre entrar em contato com um advogado.