Família e Cível

Abandono Afetivo: o que é e quais suas consequências

Muito se fala em abandono afetivo, mas nem sempre se sabe como ele se efetiva na prática, suas características, consequências e embasamento. Deste modo, é de extrema importância ter conhecimento deste tema que é tão falado e está marcando presença no Judiciário por conta da visibilidade que vem tendo.

Neste artigo vamos entender do que se trata o abandono afetivo para conseguir distinguir ele de outros institutos, como o abandono material e a tão falada alienação parental.

O que é abandono afetivo?

Para começo de conversa precisamos entender do que exatamente se trata o abandono afetivo para não causar confusão.

O embasamento do abandono afetivo será analisado no próximo tópico, todavia já adiantamos que está presente tanto na Constituição Federal como no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, tendo em vista que esta legislação é referência quando se trata da proteção integral da criança e do adolescente.

Assim, já é possível relacionar o abandono afetivo como uma afronta à proteção integral da criança e do adolescente e também em face da dignidade do menor.

Isto porque, se caracteriza pelo descaso dos pais em relação com os filhos, diante da inobservância de seus deveres como garantidores do menor. Os pais possuem o dever de preservação da criança e do adolescente frente a negligência e discriminação, e não de serem os sujeitos ativos de tais atos.

Quando os pais negligenciam os seus deveres, passam a praticar o chamado abandono afetivo, vamos a alguns aspectos que evidenciam este fato:

  • Omissão de cuidados;
  • Não prestar assistência social, psíquica e moral;
  • Faltar com afeto;
  • Descaso sentimental;
  • Tratar com desprezo de forma expressa.

Estes aspectos passam a interferir no emocional do menor, o qual passa a sentir que não é amado, podendo afetar seu desenvolvimento psíquico ocasionando consequências para o presente e para o futuro, tendo em vista que a infância é base da estruturação psíquica.

Para melhor compreensão, podemos citar como exemplos práticos o abandono da convivência familiar e o descaso com o dever de visitação. Estes dois fatores possuem como objetivo que o menor tenha a convivência dos pais, mantendo o vínculo afetivo o que é importante para o seu desenvolvimento biopsicossocial.

Feito este panorama geral em relação as características do abandono afetivo, é preciso ressaltar que ele não tem nada a ver com o abandono material, tendo em vista não se tratar de um apoio financeiro, como é o caso da pensão alimentícia.

De igual forma, diverge da alienação parental, pois não há interferência de terceiros que tentam dificultar ou proibir o convívio e afeto, mas sim se dá de forma espontânea pelo causador do dano.

Todavia, mesmo divergindo da alienação parental neste ponto, ele pode ser englobado por ela, ou seja, fazer partes de aspectos que se enquadram em um contexto de alienação, mas isso falaremos em outro momento, quando tratarmos deste importante e complexo tema que é a alienação parental.

Feita a sua conceituação, vamos entender agora como se fundamenta um caso de abandono afetivo, a partir de sua previsão legal e dispositivos que passa a violar ao se concretizar esta modalidade de abandono.

Legislação

legislação

O abandono afetivo não possui uma previsão legal específica, todavia se caracteriza pela violação de dispositivos legais. Estes dispositivos estão ligados aos deveres e responsabilidades as quais os pais são detentores e que ao não cumprirem, ficam na iminência de estarem cometendo o abandono afetivo.

A Carta Magna em seu artigo 227 assim dispõe, evidenciando o princípio da proteção integral da criança:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 

Da mesma forma o Estatuto da Criança e do Adolescente reforça este princípio, sendo o objetivo desta legislação garantir os direitos e proteção das crianças e dos adolescentes. Em seu artigo 4º assim prevê:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

E claro, tendo em vista que o Código Civil possui inúmeros dispositivos que servem de base para o Direito de Família, temos também a previsão dos deveres que competem aos pais, no exercício do poder familiar, de acordo com a previsão do artigo 1.634:

  • Criação e educação;
  • Exercer a guarda unilateral ou compartilhada;
  • Conceder ou negar consentimento para casar;
  • Conceder ou negar viagem ao exterior;
  • Nomear tutor por testamento ou documento autêntico, na falta dos pais;
  • Representar judicialmente até os 16 anos de idade, e assistir dos 16 aos 18 anos;
  • Reclamar de quem ilegalmente detenha os filhos;
  • Exigir que os filhos prestem obediência e respeito.

Há um Projeto de Lei de nº 700/2007, que tem como objetivo a previsão no ECA da reparação por danos morais para aquele que deixar de prestar assistência afetiva como nos casos de convivência ou visitação. Busca a preservação e solução de casos de negligência dos pais para com os filhos. Atualmente este projeto encontra-se com a Câmara dos Deputados.

Judiciário

O abandono afetivo passou a ser tema recorrente no Judiciário, para que fosse realizada a efetiva análise de sua configuração, bem como sanções em decorrência deste ato, haja vista a falta de legislação específica quanto a isto.

Podemos citar uma decisão recente do STJ, em que a Terceira Turma condenou um pai ao pagamento de R$30.000,00 (trinta mil reais) à filha, em razão do abandono afetivo.

A ação foi ajuizada pela filha quando tinha 14 anos de idade, sendo representada por sua mãe. Alegou que aos 6 anos de idade, houve rompimento abrupto na relação entre ela e seu pai.

Na época, houve também a dissolução da união estável entre os pais, momento em que o genitor deixou de participar da vida da filha, como na educação, criação e desenvolvimento, necessitando a filha de tratamento psicológico.

No caso, ficou comprovado inclusive diante o laudo pericial, que o abandono causou graves consequências psicológicas e problemas de saúde eventuais.

Os ministros evidenciaram que o abandono afetivo possui relação com o dever jurídico de exercer a parentalidade responsavelmente. A ministra Nancy Andrighi destacou que presente a irresponsabilidade e negligência em face dos interesses dos filhos, ocasionado traumas ou prejuízos comprovados, os pais podem ser condenados a reparar os danos experimentados pelos filhos, em razão de que os abalos morais podem ser quantificados como qualquer outra espécie de reparação moral indenizável. 

Deste modo, o colegiado aplicou o artigo 186 e 927 do Código Civil, os quais preveem o dano moral que conforme destacado pelos julgadores, pode perfeitamente incidir no caso concreto.

Deste modo, há o entendimento claro da possibilidade de fixação de danos morais por conta dos danos causados diante da ocorrência de abandono afetivo.

Consequências do abandono afetivo

Consequências do abandono afetivo

Como visto acima, uma das consequências para o causador do dano é a condenação em danos morais por conta de atos ou omissões devidamente demonstradas.

Deste modo, o abandono afetivo se caracteriza como um ilícito civil, pois viola os deveres que os pais possuem, os quais possuem expressa previsão legal.

O objetivo das sanções diante da ocorrência deste ilícito é a conscientização da preservação dos direitos e dignidade da criança e do adolescente, seu desenvolvimento biopsicossocial e moral.

Em muitos casos, o abandono afetivo decorre do divórcio dos pais, entretanto, o divórcio se refere à dissolução do vínculo conjugal, ou seja, em nada se relaciona com a dissolução do vínculo materno-filial ou paterno-filial. Deste modo, o fato de não viverem na mesma casa, por exemplo, não é justificativa para negligenciar deveres inerentes ao papel de pais.

O que ocorre é que o amor dos pais pelos filhos é opcional e depende de todo um contexto, todavia, cumprir com os deveres é obrigatório.

O convívio com os pais e demais familiares é fundamental para a formação da personalidade da criança, por conta disso, é importante para o desenvolvimento. O abandono, desprezando a existência do filho, rompendo vínculo, pode trazer consequências psicológicas graves para a criança e para o adolescente, refletindo inclusive no adulto que este vai se tornar.

É possível com base neste fundamento que o afetado requeira a retirada do sobrenome daquele que o abandonou e também, como já analisamos, a indenização por danos morais.

Caso o causador do dano seja presente na vida do menor, como por exemplo, possua a guarda deste ou exerça o dever de visitar, porém por meio de atos prejudica o filho, é plenamente possível que diante do não cumprimento dos deveres que detém, seja alterada a guarda inicialmente concedida. Lembramos que a modalidade de guarda será aplicada a depender do caso concreto e do melhor interesse da criança e do adolescente.

Assim, omitir cuidados, tratar com desprezo, agindo de forma negligente, pode ocasionar danos irreversíveis àquele que convive com o abandono afetivo. Por isso, é importante saber identificar aspectos que evidenciem a presença deste instituto para que se evite o quanto antes as consequências deste ilícito.

Considerações finais

Considerações finais

Não se pode obrigar uma pessoa a amar o filho, o afeto deve ocorrer por livre e espontânea vontade. Porém, os deveres dos pais frente aos filhos são sim obrigatórios, devendo ser observados sob pena de estarem cometendo o chamado abandono afetivo.

É necessário garantir às crianças e adolescentes seus direitos, devendo os pais cumprirem com suas obrigações, sendo que atos ou omissões contrárias a estes deveres, podem ocasionar consequências de ordem psíquica, física, moral e social aos filhos.

O descaso sentimental, a falta com afeto e deveres viola as previsões legislativas quanto ao direito de ser cuidado, de ser assistido, de convivência, sendo que esta negligência vai ainda contra a proteção integral da criança e do adolescente, afetando o desenvolvimento biopsicossocial do menor.

Em vista de preservar a dignidade da criança e do adolescente, analisamos que a partir da demonstração dos danos causados decorrentes do abandono afetivo, é possível que o responsável pelo dano seja condenado por danos morais.

Caso você tenha mais dúvidas quanto ao tema, estamos à disposição para lhe auxiliar, basta acessar o chat ao lado!

Rafael Albertoni

Advogado, Mestre em Direito Político e Econômico, Pós-Graduado em Direito Tributário pela FGV, Graduando em Ciências Econômicas pela FECAP. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB.

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