Família e Cível

Abandono de incapaz: conceito, legislação e consequências

De cara ao ler este título, achamos que estamos falando especificamente dos pais em relação aos filhos, diante do dever de proteção e cuidado. Todavia, quando tratamos do abandono de incapaz, para a legislação há maior amplitude de quem seria o incapaz, além deste abandono estar previsto na legislação penal.

Deste modo, é extremamente relevante ter conhecimento das causas, consequências e previsão legal do abandono de incapaz, tema este que ganha grande repercussão nos dias atuais frente às diversas situações em que é possível verificar este tipo de abandono.

Como mencionado, quando se fala em abandono de incapaz logo vem a mente a criança abandonada, porém, o abandono de capaz na realidade vai muito além deste fato.

Vamos começar com a Constituição Federal e seus dizeres dos artigos 229 e 230:

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

Deste modo, já percebemos o grande amparo e proteção que possui a criança e o adolescente, bem como os idosos em prol da família e dignidade da pessoa humana.

Estes artigos passam a embasar o abandono de incapaz, o qual possui sua conceituação e previsão legal no Código Penal, isso mesmo, o Direito Penal neste ponto vai de encontro com o Direito de Família, diante da gravidade deste tipo de abandono. Vejamos o que diz o artigo 133:

Art. 133 – Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena – detenção, de seis meses a três anos. § 1º – Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de um a cinco anos. § 2º – Se resulta a morte: Pena – reclusão, de quatro a doze anos.

Aumento de pena § 3º – As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço: I – se o abandono ocorre em lugar ermo; II – se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima. III – se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos.

A objetividade jurídica deste tipo penal, no entendimento do autor Victor Eduardo Rios Gonçalves, se alinha ao dever de zelo pela vida e saúde da pessoa incapaz de cuidar de si mesma, tendo em vista que há a violação deste dever ao deixar o incapaz sem assistência, ficando este exposto ao risco.

Assim, expresso do que se trata o abandono de incapaz e suas consequências, vamos entender quem é o incapaz e de forma detalhada as causas e consequências deste crime.

Quem é o incapaz?

Quem é o incapaz?

Ao analisar o dispositivo legal nos deparamos com o seguinte conceito de incapaz “Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono.”

Desta feita, é possível compreender que o incapaz frente a este abandono não é o mesmo como um todo do direito civil, qual seja conforme o Código Civil:

Art. 3 o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

Art. 4 o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV – os pródigos. Parágrafo único.  A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.

Para o abandono de incapaz, o sujeito passivo – aquele que sofre o abandono – é a pessoa que está sob a guarda, cuidado, vigilância ou autoridade do agente, desde que esteja incapacitada de se defender dos riscos decorrentes do abandono.

Deste modo, não se leva em conta apenas a questão da capacidade civil, no sentido de maioridade e sem condições de saúde. Leva-se em conta os meios que um indivíduo tem para enfrentar os riscos da situação em que se encontra.

Portanto, a incapacidade pode ser temporária, por exemplo, um maior de idade que é considerado capaz civilmente, porém, está embriagado e foi largado em uma estrada. Neste cenário este indivíduo encontra-se temporariamente incapaz.

De forma resumida temos o incapaz como sujeito passivo do abandono de incapaz, aquele:

  • Incapaz civilmente;
  • Incapaz mentalmente;
  • Incapaz fisicamente.

Assim sendo, estas incapacidades podem ser permanentes ou temporárias frente a uma situação de perigo em que não é possível se defender.

Sujeito ativo do Abandono de Incapaz

Sujeito ativo do Abandono de Incapaz

Compreendido quem é o sujeito passivo no abandono de incapaz, vamos entender agora quem pode ser considerado sujeito ativo.

Para o Direito Penal, o abandono de incapaz é um crime próprio, isso quer dizer que só pode ser autor do delito quem exerce cuidado, guarda, vigilância ou autoridade sobre a vítima.

Nos termos do autor Damásio de Jesus a diferença entre estes institutos são:

  • Cuidado: assistência eventual, como cuidadores de idosos;
  • Guarda: assistência duradoura, pais em relação aos filhos;
  • Vigilância: assistência acauteladora, guia turístico;
  • Autoridade: poder de uma pessoa sobre a outra, no âmbito do direito público ou privado, como o policial sobre a pessoa detida.

Deste modo, é importante ressaltar que não se enquadrando em nenhum desses institutos, quando uma pessoa que não tem o indivíduo incapaz sob seus cuidados, mas o encontra em situação de abandono e nada faz, este fato se caracteriza como omissão de socorro.

Portanto, para que esteja presente o caso de abandono de incapaz, deve haver uma relação de dependência entre o sujeito passivo – vítima – e o sujeito passivo – agente que comete o delito.

Consequências

consequências

Antes de entender as consequências, este crime pode ser praticado com culpa, dolo ou dolo eventual. Você sabe a diferença?

A culpa quer dizer que o fato ocorreu por uma questão de imprudência, por exemplo, deixar o filho dentro do carro fechado enquanto vai no supermercado. A criança diante da alta temperatura tem a sua saúde colocada em risco.

O dolo está ligado à intenção, de modo que há consciência do risco e do resultado, desejando isto.

Por sua vez, o dolo eventual, há o risco, mas o agente não deseja aquele resultado, porém assume o risco diante da consciência deste.

Ademais, conforme ensina Nélson Hungria, é possível a tentativa na forma comissiva, ou seja, quando o agente ativo é surpreendido durante a ação, por exemplo quando do depósito ou quando está se distanciando da vítima, de forma que há uma execução progressiva.

Em relação ao abandono de incapaz, a sua consumação se da quando a vítima sofre situação concreta de perigo em razão do abandono.

As suas consequências estão explanadas no artigo 133 do Código Penal, podendo ser pena de detenção, com a qualificadora quando resultar a lesão de natureza grave ou a morte, com a pena de reclusão.

Ainda há a causa de aumento da pena, quando o abandono ocorre em local ermo, tendo em vista que o risco é mais significativo, se o agente é ascendente, descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima, bem como se a vítima for maior de 60 (sessenta) anos.

Mas agora no âmbito do Direito Civil, é válido ressaltar as consequências que este abandono pode gerar em relação ao poder familiar. Vejamos o que diz o artigo 1.638 do Código Civil:

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
II – deixar o filho em abandono;

Inclusive o Estatuto da Criança e do Adolescente em consonância com o Código Civil determina:

Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar .

§ 2º  A condenação criminal do pai ou da mãe não implicará a destituição do poder familiar, exceto na hipótese de condenação por crime doloso sujeito à pena de reclusão contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar ou contra filho, filha ou outro descendente

Portanto, além das consequências na esfera criminal é totalmente possível as consequências na esfera civil.

Excludentes

É possível que incidam excludentes sobre situações de abandono de incapaz, vejamos.

Caso típico se visualiza no caso de uma mãe que deixa os filhos incapazes sozinhos em casa para conseguir trabalhar fora, aqui estamos diante da excludente de estado de necessidade.

Outro cenário é quando o crime resulta em morte, se deslocando para a modalidade de homicídio culposo, sendo que diante do caso concreto o julgador entende que as consequências da infração atingem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária, na forma do artigo 121, §5º do Código Penal.

Portanto, as causas excludentes de ilicitude devem ser analisadas diante do caso em análise, pois em relação ao abandono de incapaz é preciso ter uma ampla visualização da situação, causas e consequências, a fim de se chegar a uma solução condizente com a realidade dos fatos.

Considerações finais

Considerações finais

Para concluir vamos fazer um panorama geral do que foi visto no presente artigo para que o tema fique bem claro.

Para o Direito Civil, o incapaz é aquele menor de idade, sendo o absolutamente incapaz os menores de dezesseis anos, os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil, e os que por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Já os relativamente incapazes são maiores de dezesseis anos e menores de dezoito, os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido, os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; os pródigos.

Já para o Direito Penal ao se tratar do abandono de incapaz, o incapaz é considerado aquele que de forma temporária ou permanente esteja incapacitado de se defender dos riscos decorrentes do abandono.

Deste modo, conforme previsão legal, estando o incapaz sob cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, ao ser abandonado tem violado o seu direito de ter zelada sua vida e saúde. Nestes casos incide o crime de abandono de incapaz, previsto no artigo 133 do Código Penal.

É possível que estejam presentes causas de excludente de ilicitude como no caso de estado de necessidade, portanto, é de extrema importância que seja analisado o caso concreto frente ao cenário como um todo.

No Direito Civil, em específico no campo do Direito de Família é possível a interferência quando falamos de poder familiar, sendo que o abandono pode sim gerar a perda do poder familiar.

Por fim, como visto, há maior amplitude do sujeito incapaz quando falamos deste abandono de incapaz, de forma que não estamos falando apenas de uma criança abandonada, podendo ocorrer com qualquer pessoa que esteja incapaz até mesmo de forma momentânea de se defender dos riscos da situação em que se encontra.

Se restaram dúvidas quanto ao tema, fique à vontade para entrar em contato conosco via chat!

Isabella Leite

Advogada, autora de artigos jurídicos, Pós-Graduanda em Direito Público pela ESMAFE-RS, Graduada em Direito pela PUC-RS.

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