Regime de bens no casamento: conceito, princípios e modalidades
O tema desde artigo é de extrema relevância para todas as pessoas, seja para aplicação no seu relacionamento, seja para compreensão de algum caso que chegou até você ou de algum conhecido.
O regime de bens é um instituto do Direito de Família que merece atenção e estudo, pois vai influenciar na questão patrimonial do casamento ou da união estável.
Como sabemos quando se envolve questão financeira e bens, muitas dúvidas e receios surgem, além de burocracias, deveres e direitos. Por conta disso, reservamos este artigo para explorar este grande e importante tema.
Faremos uma análise inicial da relação matrimônio e regime de bens, o seu conceito para com essa base adentrar as modalidades de regime de bens e suas devidas particularidades. Ao final desse texto espero que tudo fique mais claro e fique fácil escolher o regime ideal para você, visando a proteção patrimonial, bem como para evitar eventual discussão futura.
O que você verá nesse artigo:
Efeito jurídico patrimonial do matrimônio
Se você chegou aqui após ler nosso artigo exclusivo sobre casamento – caso não tenha lido recomendo a leitura, clicando aqui – já deve ter conhecimento que o casamento gera efeitos de ordem social, patrimonial e pessoal, e o regime de bens está presente no efeito jurídico patrimonial do matrimônio.
Está incluso no rol dos efeitos do casamento, também no que consiste ao dever de sustento, obrigação de alimentar e o termo inicial da vigência do regime de bens e também ao direito sucessório, conforme vislumbra-se o artigo 1.565 do Código Civil “Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.”
Desta forma, não quer dizer que o casal é totalmente livre, a legislação tem o papel de restringir a liberdade dos nubentes, de forma que limita a escolha diante da variedade presente no ordenamento jurídico brasileiro, a qual será aplicada no contexto destes.
Assim, estamos falando dos efeitos patrimoniais, os quais são figurados por meio dos regimes de bens viáveis na legislação, os quais regulam o patrimônio do casal que formalizou sua união seja por meio do casamento ou da união estável. Estes efeitos buscam a proteção patrimonial da pessoa individual, bem como do casal.
Feito esta introdução para localizar dentro do Direito de Família onde se encontra o regime de bens, vamos agora o conceituar.
Conceito de regime de bens
De acordo com a autora Maria Helena Diniz, o regime de bens diz respeito ao conjunto de normas que são aplicáveis às relações e interesses econômicos resultante da entidade familiar, assim, passa o regime de bens a regular o patrimônio do casal, formando o que podemos chamar de estatuto patrimonial dos consortes.
O matrimônio passa a ser o termo inicial do regime de bens, de acordo com o artigo 1.639, §1º do Código Civil. Em relação a união estável o termo inicial passa a ser o início desta, a qual pode ou não ser formalizada.
Falando em legislação, para você se localizar, o regime de bens está disciplinado no Código Civil Brasileiro a partir do artigo 1.639, do Título “Do Direito Patrimonial”.
Visto que o termo inicial se da com o casamento, o termo final do regime de bens se dá com a dissolução do casamento ou união estável, haja vista ser o regime de bens o responsável pela normatização do patrimônio do casal, não havendo mais casal, o objeto do regime de bens se finda.
Ademais, o fim do regime de bens pode se dar com o falecimento de uma das partes, ou ainda, com a nulidade ou anulação da união.
Para ficar mais claro, podemos resumir que o regime de bens é o acordo que o casal faz diante do patrimônio e dívidas que cada um individualmente possui e os bens futuros. Neste momento de união, é importante definir o interesse comum, do que passará a pertencer a ambos e o que não.
Apesar de em alguns casos ser difícil esta pauta junto ao companheiro(a), é de extrema importância a transparência em relação a isto, a fim de evitar questões futuras em caso de dissolução da união ou mesmo com o falecimento de um dos consortes, momento em que se opera a partilha e meação.
Princípios que regem o regime de bens
O regime de bens possui base e é organizado diante de princípios os quais brevemente analisaremos:
Autonomia privada decorre do direito da liberdade e da dignidade da pessoa humana, se caracterizando pelo direito que a pessoa tem de se autorregulamentar, sendo que este direito encontra limitações nas normas.
Em relação ao regime de bens, as partes podem escolher o regime observados os pressupostos presentes na legislação, bem como esta vontade não pode estar viciada sob pena de nulidade.
Deste modo, é possível que as partes criem outro regime, escolham, adaptem ou mesmo mesclem regimes existentes no ordenamento jurídico, com a limitação de que não haja violação das normas.
Variedade de regime de bens, este não é novidade, como sabemos há várias possibilidades de regime de bens, que os nubentes podem aderir.
Liberdade de pactos antenupciais, sendo o pacto nupcial aquele celebrado entre os nubentes antes da celebração do casamento, a fim de determinar o regime de bens que vigorará entre eles a partir da data do casamento.
É necessário realizar o pacto antenupcial no caso de as partes optarem por regime de bens diverso do regime legal, que no caso do Brasil é o da comunhão parcial de bens.
Assim, é possível que as partes livremente escolham o regime de bens a ser aplicado no relacionamento, todavia deve-se observar as normas gerais, bem como devem estar as partes habilitadas.
Mutabilidade justificada do regime adotado, este princípio está disposto no artigo 1.639, §2º do Código Civil, significa que pode sim o regime ser modificado no curso do casamento, todavia depende de autorização judicial, atendendo um pedido motivado de ambos os cônjuges, com a devida averiguação das razões por eles invocadas, bem como da análise de que a modificação não causará gravame a direito de terceiros.
Imediata vigência, este princípio está expresso no artigo 1.639, §1º do Código Civil, o qual define o termo inicial do regime de bens, que passa a ser a data da celebração do casamento.
Indivisibilidade de bens se refere ao regime de bens sendo ele único e aplicável para ambas as partes, não podendo ser aplicado isoladamente para um dos pactuantes. Isso quer dizer que uma vez escolhido o regime, devem as partes terem ciência de que as diretrizes ali firmadas serão aplicadas em relação ao patrimônio de ambos.
Assim, a indivisibilidade encontra base na isonomia constitucional entre marido e mulher, previsto no artigo 5º e 226 da Constituição Federal, bem como pelo princípio da comunhão indivisa, do artigo 1.511 do Código Civil.
Agora sim vamos dar início a análise de cada modalidade de regime de bens, os quais estão dispostos na legislação brasileira.
Comunhão parcial de bens
Este é o regime de bens padrão, de forma que se os nubentes não expressarem a escolha por determinada modalidade de regime este será o aplicado. Ademais, na forma de união como união estável, este também é o regime padrão.
Está previsto no artigo 1.658 do Código Civil nos seguintes termos “No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.”
Ele se caracteriza, nos termos do autor Silvio Rodrigues, por excluir da comunicação os bens e dívidas que cada cônjuge já possuía e também os que venham a adquirir por causa anterior ou alheia ao casamento. Assim, os bens que se comunicam são os adquiridos na constância do casamento.
Também são comunicáveis os bens adquiridos por fato eventual (aposta, loteria); doação, herança ou legado em favor de ambos; benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; frutos dos bens; rendimentos resultantes da exploração dos direitos patrimoniais do autor.
A administração dos bens compete a ambos, sendo necessária a anuência dos dois em caso de prática de atos que impliquem a cessão do uso ou gozo dos bens comuns.
Agora, aspecto importante a ser referido para que fique bem claro são os bens que são incomunicáveis por constituírem patrimônio pessoal neste regime os quais estão dispostos no Código Civil, vamos a eles:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III – as obrigações anteriores ao casamento;
IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
De forma resumida, esse regime descreve três patrimônios, o patrimônio pessoal de cada cônjuge e o patrimônio comum do casal, sendo o que se comunica.
Comunhão universal de bens
A comunhão universal de bens faz com que todos os bens particulares como os adquiridos na constância do casamento integrem o patrimônio comum, o patrimônio do casal.
Neste regime surge um aspecto que deve ser lembrado e levado em consideração no momento de escolha de regime de bens. As dívidas adquiridas antes e na constância do casamento, poderão alcançar qualquer um dos bens para saldar o pagamento, isto porque não só todos os bens anteriores, presentes e futuros se comunicam, mas também as dívidas.
Assim, tendo em vista que todos os bens fazem parte de um todo que pertence a ambos, as dívidas poderão ser extintas a partir destes bens.
Vale lembrar que existem bens que mesmo que o casal adote esse regime, não se comunicarão, assim são excluídos da comunhão:
- Bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade;
- Dívidas anteriores ao casamento;
- Bens de uso pessoal, como livros, instrumentos da profissão;
- Pensões e rendas semelhantes, tendo em vista se tratar de bens personalíssimos;
- Direitos patrimoniais do autor, salvo os rendimentos resultantes de sua exploração.
Diante deste cenário, temos que, nas palavras de Maria Helena Diniz, instaura-se um estado de indivisão, tendo em vista que cada cônjuge tem direito à metade ideal do patrimônio comum.
Participação final dos aquestos
O artigo 1.672 do Código Civil faz menção a esse regime, o qual surgiu a partir de 2002, substituindo o regime de bens dotal.
Regime pouco usado, que implica na participação desde o instante da celebração das núpcias.
De forma resumida, durante o casamento se aplica a separação de bens, ou seja, cada cônjuge possui seus bens, sendo que ocorrendo eventual dissolução se aplica a comunhão parcial de bens, cada um será credor da metade que o outro cônjuge adquiriu.
É usado em situações como cônjuges que exercem atividades empresariais, para que o dia a dia seja mais fácil, com maior liberdade de negociação sem a necessidade de anuência em cada ato.
Assim, a administração do patrimônio inicial é exclusiva de cada cônjuge, administrando os bens que possuía antes do matrimônio. As dívidas, igualmente pertencerão ao cônjuge que as contraiu.
O objetivo e parte interessante que muitos não sabem em relação a essa modalidade de regime, é a autonomia sobre seus bens durante o casamento, de forma que diante da mistura da separação total de bens e da comunhão parcial de bens, se extrai aspectos positivos de cada regime.
Separação total de bens
Esse regime de bens está previsto no artigo 1.687 do Código Civil, sendo um regime que não há formação do chamado patrimônio do casal.
O patrimônio, bem como dívidas que cada parte tinha antes da formalização da união continua sendo bem particular de cada um, continuará sendo seu exclusivamente.
Ou seja, mesmo que se adquira bem na constância do casamento, aquele que adquiriu será proprietário de forma exclusiva. Há, portanto, uma separação completa do patrimônio dos cônjuges.
Cabe ressaltar que, caso algum bem seja adquirido na constância do casamento com a contribuição de ambos, este bem sim será dos dois, havendo comunicação. Assim refere a Súmula 377 do STF “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.”
A administração dos bens nesse regime é muito mais simples, não há necessidade de consentimento para transações, havendo maior liberdade.
Todavia, mesmo que haja esta separação total, ambos devem contribuir para as despesas do casal na proporção de seus rendimentos, exceto se houver estipulação no sentido contrário ou especificado em relação as responsabilidades financeiras de cada parte na manutenção da casa, filhos e gastos em geral que competem a ambos.
Regime misto e Regime atípico
Sim, é comum que as partes diante do seu contexto não se agradem pela variedade de regimes já disciplinadas. Neste momento, surge a questão, o que fazer?
Como mencionado anteriormente, é possível a partir de um regime, adaptar, é possível ainda, mesclar regimes, surgindo assim o chamado regime misto. Neste regime, podemos exemplificar o caso de comunicação apenas em conta corrente conjunta, e no geral separação total de bens.
O objetivo que essa “liberdade” traz é adaptar a realidade do casal o regime de bens que melhor se encaixa. E assim também há a possibilidade de criar um novo regime.
Poucas pessoas sabem, mas sim, é possível criar um regime totalmente diferente dos previstos na legislação.
Isso quer dizer que as partes podem criar diretrizes a serem aplicadas em relação ao patrimônio, a partir da combinação de regimes, modificação de regras e estabelecendo novas regras.
Tanto em relação ao regime misto como ao atípico, as diretrizes estabelecidas pelo casal, apenas serão validas e produzirão efeitos jurídicos se não atingirem as normas de ordem pública, de aplicação obrigatória.
Separação obrigatória de bens
A legislação cuidou de prever hipóteses em que deve ser aplicado de forma obrigatória o regime de separação de bens:
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
A primeira hipótese ocorre quando o viúvo ou viúva que tiver filho do cônjuge falecido e ainda não tiver concluído o inventário, salvo a demonstração de ausência de prejuízo, sendo chamada de separação obrigatória, nestes casos.
A segunda hipótese não precisa de muitas explicações, tendo em vista tratar de questão de idade.
Já a terceira hipótese se refere a necessidade de suprimento judicial, como por exemplo parte com 16 anos em que os pais não concordam com o matrimônio dependendo assim da permissão do juiz para a celebração do casamento. Neste cenário, até que atinja a maioridade, o regime de bens vigente será o da separação obrigatória de bens.
Regras gerais
Feito o estudo isolado de cada regime, é importante compreendermos regras gerais previstas no Código Civil no que diz respeito a obrigatoriedade de adoção de um tipo de regime, bem como questões relacionadas a anuência do cônjuge para efetivação de negócio jurídico.
Estas regras dizem respeito ao que no início do presente artigo foi mencionado, o objetivo de preservação patrimonial, bem como em relação a separação obrigatória de bens analisada acima se refere à proteção de determinadas pessoas.
Nessa linha se operam as chamadas restrições à liberdade de ação das partes a partir da adoção de determinado regime de bens, momento em que se faz necessária a anuência do consorte, conforme o disposto no artigo 1.647:
Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;
III – prestar fiança ou aval;
IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.
Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.
\Já em relação à administração dos bens, quando uma das partes não puder exercer cabe ao outro gerir os bens e bem como a possibilidade de alienar.
Agora, importante lição traz o artigo 1.651, quando refere os bens particulares da parte ausente. Deste modo, a parte presente deve gerir os bens particulares, alienar bens móveis e imóveis mediante autorização judicial.
O artigo 1.652 passa a complementar o artigo anterior no sentido de que o cônjuge que estiver na posse dos bens particulares do consorte será frente a estes bens, usufrutuário, se o rendimento for comum; procurador se tive mandato expresso ou tácito para administrar ou ainda, depositário, se não for administrador nem usufrutuário.
Considerações finais
A partir da ideia de formalização da união, é muito importante que os nubentes conversem acerca do regime de bens que adotarão no seu relacionamento, e mais, tenham conhecimento de todas a variedade já existente no ordenamento jurídico brasileiro.
Isso porque além de regular os bens do casal, pode regular os bens individuais de cada parte, criar limites, criar ou não o chamado patrimônio do casal, objetivando a proteção patrimonial e pessoal.
Assim, analisamos os quatro regimes de bens previstos na legislação brasileira e suas peculiaridades, sendo o regime de comunhão parcial de bens o regime padrão, no qual quando as partes não se manifestam em relação ao regime que querem aderir, este é automaticamente aplicado.
Os demais regimes para serem válidos na união, precisam estar previstos no pacto antenupcial, o qual versa sobre as questões patrimoniais da união.
Estes regimes são o regime da comunhão universal de bens que, em linhas gerais, se comunicam bens particulares e os adquiridos na constância do casamento, o regime da separação universal de bens, em que não há comunicação de bens, sejam bens anteriores ou adquiridos na constância da união, e o regime da participação final nos aquestos em que na constância da união se aplica a separação total de bens e em caso de dissolução, ou falecimento, se aplica a comunhão parcial de bens.
Como visto no decorrer do presente artigo, talvez tenha sido novidade, mas é possível fazer uma mescla das diretrizes de cada regime de bens já existente ou ainda, estabelecer novas diretrizes, aqui falamos do regime misto e do regime atípico.
Estas diretrizes autênticas possuem limite nas normas gerais, de modo que as diretrizes apenas serão validas e produzirão efeitos jurídicos se não violarem as normas gerais.
Por fim, vimos que a legislação criou regras gerais no sentido de maior proteção patrimonial, por exemplo exigindo a anuência do cônjuge para a realização de determinados atos, e também impôs a separação obrigatória de bens em determinadas hipóteses, como proteção pessoal.
Caso restem dúvidas sobre o tema, estamos à disposição para lhe auxiliar!