Paternidade reconhecida diante da recusa em realizar o exame de DNA
Quando se trata de reconhecimento da paternidade, muitas dúvidas surgem a depender do caso concreto. Em especial quando se depara com um caso em que não há o reconhecimento voluntário que pode se dar por diversos fatores, é necessário que haja uma ação própria denominada Ação de Investigação de Paternidade.
A partir da investigação, em regra é preciso que seja realizada a prova pericial, que nestes casos se refere ao teste de DNA. Em relação a esta prova, a pergunta que gera polêmica é, esta prova é imprescindível para que seja reconhecida a paternidade? E se houver a recusa em realizar o teste de DNA?
Este é o tema principal deste artigo, mas antes de aprofundar esta questão, bem como o entendimento da Jurisprudência vamos fazer uma breve introdução para servir de base para o tópico principal.
O que você verá nesse artigo:
Filiação
A filiação se caracteriza pelo vínculo existente entre pais e filhos, podendo ser decorrente de relação matrimonial ou não.
Quanto à filiação matrimonial, está prevista no artigo 1.561 e 1.617 do Código Civil, se refere aquela que se origina na constância do casamento dos pais, mesmo que o casamento seja considerado nulo ou seja anulado em momento posterior, sendo que o momento determinante é a concepção.
Por outro lado, a filiação não-matrimonial se caracteriza por relações extramatrimoniais, sendo classificados entre naturais – concebidos sem que haja qualquer impedimento matrimonial – e os espúrios – quando havia impedimento matrimonial, seja por conta do adultério, ou os chamados incestuosos, em relação ao parentesco natural, civil ou afim entre os pais.
Reconhecimento do filho
Em relação a filiação não-matrimonial, se faz necessário o reconhecimento que é o ato que declara a filiação havida fora do matrimônio, ou seja, se trata de um ato declaratório.
Este ato pode ser voluntário ou pode ser necessário que haja a declaração por meio de uma sentença prolatada em ação de investigação de paternidade. Deste modo, a declaração pode ser voluntária ou judicial, produzindo os mesmos efeitos jurídicos.
De acordo com o artigo 227, §6º da Constituição Federal, tanto o filho natural como o espúrio pode ser reconhecido seja antes do nascimento ou até mesmo em momento após o falecimento.
Este reconhecimento se dá em segredo de justiça, haja vista ser um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercido em face dos pais, bem como dos herdeiros, conforme o artigo 1.609 do Código Civil.
Assim, em relação aos modos de reconhecimento, temos o voluntário momento em que o reconhecimento se dá de forma espontânea, sendo que de acordo com o artigo 1.614 do Código Civil, há a necessidade de consentimento do reconhecido para que o reconhecimento tenha eficácia.
Cabe ressaltar que uma vez realizado o ato de reconhecimento voluntário, este é irrevogável e solene. Podendo então se dar:
- No termo de nascimento junto ao Registro Público;
- Por escritura pública;
- Por testamento;
- Por manifestação expressa ao juiz, constando nos autos.
De outro lado temos o reconhecimento judicial é aquele que resulta de uma sentença na ação de investigação de paternidade. Nesta ação que pode ser ajuizada tanto contra pai ou mãe, haverá a possibilidade de defesa dos requeridos, e da mesma forma pode ser contestada por qualquer pessoa que tenha justo interesse moral ou econômico, conforme preceitua o artigo 1.615 do Código Civil.
Conforme analisa a autora Maria Helena Diniz, esta sentença possui eficácia absoluta, com efeitos pessoais, patrimoniais e sucessórios. Nesta mesma decisão poderão ser fixados alimentos, podendo inclusive determinar que a guarda fique com pessoa idônea e não com aquele que contestou essa qualidade, a fim de evitar represálias, resguardando, assim, o reconhecido.
Por fim, esta ação declaratória de paternidade deverá ser averbada no registro competente.
Presunção legal da paternidade
O Código Civil tratou das presunções de paternidade com a seguinte redação:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Estas presunções decorrem do matrimônio, todavia esta presunção é relativa, ou ainda chamada juris tamtum, uma vez que a prova contrária é limita, sendo a ação que visa contestar tal fato é privativa do genitor, denominada ação negatória de paternidade ou maternidade.
Investigação de paternidade
O tema investigação de paternidade, bem como de maternidade, é extremamente amplo e reservamos um estudo específico em outro artigo ao qual recomendamos o cadastro em nosso Boletim Informativo para receber referido conteúdo.
Havendo dúvida em relação à filiação, pode o filho ou seu representante ingressar com a ação para investigar a paternidade biológica, tendo em vista o direito de saber a identidade genética.
Esta ação é de procedimento comum ajuizada pelo filho ou seu representante legal, quando incapaz, em face do genitor ou na falta deste, de seus herdeiros, momento em que pode inclusive ser cumulada com direto de herança. Ainda, pode ser cumulada com a ação de alimentos, conforme a Súmula 227 do STJ.
A partir da citação, o requerido poderá contestar a qualidade de pai, e assim será designada audiência preliminar que possui o objetivo de que as partes firmem acordo, caso não haja acordo, passa o processo para a fase instrutória com a devida produção de provas.
Assim inicia-se fase delicada da ação, tendo em vista que deve a filiação ser comprovada seja por indícios e presunções – como testemunhal, posse do estado de filho que é quando este é tratado como filho do requerido, exame prosopográfico, ou seja, por fotografia, exame de sangue por uma análise do tipo sanguíneo, mas em especial pelo exame de DNA.
O exame de DNA é conhecido como o teste conclusivo para o estabelecimento da paternidade, sendo nas palavras da autora Maria Helena Diniz “o componente mais íntimo da bagagem genética que se recebe dos genitores”.
Desta forma, caracteriza-se como o exame mais seguro para fins de investigação de paternidade, sendo possível inclusive após o falecimento do envolvido.
E aqui chegamos a uma questão importante, tendo em vista que o requerido precisa se submeter ao exame de DNA, o que ocorre se houver a recusa em realizar o teste de DNA?
A recusa em realizar o teste de DNA e o entendimento do STJ
Este tema chegou para análise do STJ por meio do Recurso Especial 557.365/RO. O processo tratava de uma ação de investigação de paternidade em que houve a recusa em realizar o teste de DNA por parte do recorrido o qual não compareceu ao IML.
No processo foi juntada documentação que se mostrou hábil a comprovar o relacionamento amoroso à época da concepção. Todavia a sentença foi improcedente por entender o julgador que apesar da recusa em realizar o teste de DNA não havia prova suficiente juntada pelo recorrente.
O Tribunal requereu novamente o teste de DNA e mais uma vez o recorrido não compareceu. Foi improvido o recurso, com o mesmo fundamento da sentença, acrescido de que a recusa em realizar o teste de DNA ocasiona presunção relativa e não absoluta, não podendo por meio de depoimento da genitora e documentação comprovando o relacionamento suficiente para que seja presumida a filiação. Ademais, ponderou que o recorrido fez prova de que não residia na mesma cidade.
Deste modo, foi interposto Recurso Especial, requerendo o reconhecimento da filiação, haja vista a recusa em realizar o teste de DNA mais os documentos desencadearem o reconhecimento por presunção.
Assim, os Ministros analisaram a documentação apresentada a qual comprovou o relacionamento casual entre a genitora e o recorrido, sendo que a recusa do réu em se sujeitar ao DNA provoca evidente prejuízo à busca da verdade real e à estrutura psicológica e emocional do recorrente.
Por unanimidade, o Recurso Especial foi provido a fim de julgar procedente o pedido, reconhecendo a paternidade do recorrido e, ainda, determinou a expedição de mandado de retificação ao cartório de registro civil.
Deste modo, em consonância com tal entendimento foi editada a Súmula 301 do STJ – ” Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.”
Assim, na sequência, a Lei 12.004/2009 acrescentou o parágrafo primeiro do artigo 2º – A da Lei 8.560/92 com a seguinte redação:
Art. 2o-A. Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos.
§ 1º. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.
Assim, a partir do entendimento do STJ e da legislação, os julgadores passaram a apreciar os casos de recusa em realizar o teste de DNA, com a aplicação desta Súmula, ao entenderem que o exame de DNA, apesar de desejável, não é indispensável, notadamente caso a parte Ré se recuse a se submeter à perícia. Nessa hipótese excepcional, o Juiz não se torna refém do agente recalcitrante.
Permite-se que o Magistrado, mesmo sem a prova genética, forme a sua convicção com esteio na presunção de paternidade gerada pela negativa da parte Ré, apreciada em conjunto com os elementos de informação reunidos no caderno processual.
Em recente debate sobre a manutenção do entendimento da referida Súmula, o STJ ratificou o que nela consta nas palavras do Ministro Raul Araujo:
“Inexistindo a prova pericial capaz de propiciar certeza quase absoluta do vínculo de parentesco (exame de impressões do DNA), diante da recusa dos avós e dos irmãos paternos do investigado em submeter-se ao referido exame, comprova-se a paternidade mediante a análise dos indícios e presunções existentes nos autos, observada a presunção juris tantum, nos termos da Súmula 301 do STJ.”
Ademais, a Lei 14.138/2021 acrescentou o parágrafo 2º ao artigo 2º-A da Lei 8.560/92, da seguinte forma: “Se o suposto pai houver falecido ou não existir notícia de seu paradeiro, o juiz determinará, a expensas do autor da ação, a realização do exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes consanguíneos, preferindo-se os de grau mais próximo aos mais distantes, importando a recusa em presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.”
Ou seja, a partir deste dispositivo é permitido realizar exame de pareamento de DNA, para fins de comprovação de paternidade entre filho e parente de suposto pai, com preferência pelos parentes de mais próximo grau, caso o possível genitor tenha morrido ou esteja desaparecido.
Considerações finais
O direito de ter conhecimento da identidade genética pode ser assegurado por meio da conhecida investigação de paternidade. Isto se dá quando não ocorre o reconhecimento da filiação de modo voluntário, sendo necessário que por meio de uma sentença judicial declaratória haja a investigação e devido reconhecimento judicial.
Como vimos, a produção de prova nesta ação é bastante delicada, podendo ser realizada por documentos, exame de sangue para verificação do tipo sanguíneo, análise de fotos e o método mais seguro, o exame de DNA.
Todavia, tendo em vista que para a realização deste exame é necessário que o recorrido compareça ao local para que seja coletado o material genético, nem sempre isso é visto por estes como algo aceitável, momento em que pode ocorrer a recusa de tal comparecimento.
Assim, o STJ analisou um caso de recusa em realizar o teste de DNA, o qual foi mencionado no presente artigo, resultando no entendimento de que havendo a recusa injustificada estamos diante de uma presunção relativa a qual então inverte o ônus da prova, cabendo ao recorrido demonstrar de outra forma que não é o genitor. Este entendimento está inclusive sedimentado por meio da Súmula 331 da Corte Superior.
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