Outros

Tema 979 STJ: Devolução de Valores Rcebidos de Boa-Fé

Um importante tema chegou ao STJ e que preocupava muitos segurados tendo em vista envolver questão financeira. Estamos falando da necessidade de devolução de valores recebidos de forma indevida.

Diante deste cenário, é importante já de cara ressaltar que existem duas situações as quais terão consequências totalmente diferentes. Os segurados que acabaram recebendo os valores indevidos de boa-fé e os segurados que receberam de má-fé.

Tendo em vista essas duas hipóteses, exploraremos neste artigo qual a controvérsia que demandou ao STJ a sedimentação de um entendimento, quais as consequências a depender de cada hipótese e também como que será feita a análise da questão da boa-fé para determinar ou não a devolução de valores.

Ato administrativo do INSS

Ao conceder um benefício previdenciário após o requerimento administrativo, o INSS exerce o chamado ato administrativo.

Chamamos de ato administrativo, um ato unilateral de vontade, que se dá pela Administração Pública, produzindo efeitos jurídicos previamente estabelecidos na lei, com o intuito de modificar, extinguir, resguardar direitos visando o interesse público.

Deste modo tanto para a concessão como para o cancelamento de um benefício, a Autarquia previdenciária está exercendo atos administrativos.

No que tange ao cancelamento, este decorre da possibilidade de revisão de ato já exercido, sendo regida pelos princípios da conveniência e oportunidade, que geram um poder discricionário da Administração Pública. Desta forma, não é necessário que a Administração seja provocada para agir, podendo diante da oportunidade e conveniência realizar a revisão de seus atos.

A legislação prevê a possibilidade de revisão do ato administrativo no artigo 103 – A da Lei 8.213/91, que assim dispõe:

Art. 103-A.  O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.     
§ 1º  No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.

Portanto, a Autarquia pode ao rever ato administrativo pratico, verificar um erro e eventuais irregularidades na concessão de benefícios, realizando a cessação destes benefícios que ou perderam o objeto ou foram concedidos de maneira errônea.

Por conta desta prerrogativa, a Autarquia então fundamenta a possibilidade de revisão, cancelamento e consequente requerimento de devolução de valores recebidos indevidamente.

Cabe destacar o chamado prazo decadencial, sendo aquele em que por conta da decorrência do prazo não há mais a possibilidade de requerer o direito.

Este tem termo inicial com o primeiro pagamento do benefício, sendo de dez anos conforme preceitua o artigo acima transcrito.

Deste modo, salvo recebimento do valor indevido de má-fé – ou seja, tendo ciência de ser indevido – após o prazo de dez anos não pode mais a Autarquia discutir aqueles valores oriundos de benefício previdenciário.

Ocorre que, como visto, a concessão indevida de benefício pode ter fatos geradores – motivações – diferentes.

É possível que sim, exista irregularidade no sentido de que o beneficiário está recebendo o benefício de má-fé. Por outro lado, por conta de um erro da própria Administração, o beneficiário passou a receber o benefício de boa-fé, acreditando, assim, ter realmente direito ao benefício e usufruindo deste.

Portanto, a partir dessas duas situações totalmente diferentes e assim chegamos ao Tema 979 do STJ.

Portanto, a partir dessas duas situações totalmente diferentes e assim chegamos ao Tema 979 do STJ.

Questão submetida à análise do STJ

devolução de valores de má-fé

Por meio do Recurso Especial nº 1.381.734 o STJ fez a análise da viabilidade de obrigação de devolução de valores recebidos indevidamente à título de benefício.

Neste caso, a discussão girava em torno da concessão administrativa de benefícios de forma equivocada, por conta de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social, nos casos dos beneficiários que receberam valores de boa-fé.

Antes de voltar a questão submetida a análise do STJ, vamos fazer uma breve pausa para entender o que é exatamente a boa-fé e a má-fé.

A boa-fé diz respeito a convicção de que está agindo de forma legal, ou seja, há uma boa intenção. No caso do percebimento de benefícios previdenciários, a pessoa tem convicção de que a concessão do benefício se deu por realmente ter preenchido os requisitos para essa concessão, bem como para a sua manutenção.

Por outro lado, quando se trata de má-fé a pessoa tem consciência do erro, ou até mesmo o induziu, de forma que frente aos benefícios tem consciência que não deveria o receber ou continuar recebendo, todavia, se aproveita da situação.

Vamos ver um caso de má-fé para melhor compreensão. A pessoa que recebe aposentadoria por incapacidade permanente, que é aquela concedida nos casos em que não é possível o retorno a sua atividade habitual, bem como inviável a reabilitação para o desempenho de atividade diversa, contudo o segurado continua trabalhando em atividade informal, cumulando duas rendas. Desta forma, comprovada a má-fé do beneficiário, tendo em vista que lhe foi concedido o benefício justamente por conta da incapacidade em exercer a atividade habitual bem como qualquer outra que lhe garanta a subsistência.

Feita esta distinção dos dois institutos, podemos adentrar ao caso que chegou para análise do STJ e que sobrestou diversos processos que versavam sobre o mesmo tema, e que resultou em importante posicionamento.

O caso concreto tratava do recebimento do benefício de pensão por morte que após o atingimento da maioridade por parte da beneficiária, o INSS não cessou o pagamento, configurando erro da administração, o mantendo por cerca de dois anos, momento em que foi verificado o erro, de forma que a Autarquia determinou a devolução de valores recebidos neste período de forma indevida.

A origem se deu em Mandado de Segurança com pedido liminar objetivando a expedição de ordem ao INSS para que se abstivesse de efetuar desconto dos valores pagos indevidamente a título de pensão por morte.

O INSS estava realizando o desconto no percentual de 30% no benefício de aposentadoria por idade rural de titularidade do representante legal da beneficiária menor da pensão à época.

Em sede de sentença o magistrado determinou a suspensão da cobrança relativa aos valores recebidos de boa fé. De modo que a Autarquia Previdenciária se insurgiu da decisão ao entender se tratar de enriquecimento ilícito, além da a legislação previdenciária autorizar a cobrança de valores pagos além do devido.

Ao chegar no STJ para análise, houve o desprovimento do recurso, sob o argumento de que os valores foram recebidos de boa-fé, por erro da Administração, momento em que sedimentou o entendimento a seguir.

Tema 979 do STJ: devolução de valores recebidos de boa-fé

A partir da análise do caso referido acima, o Tribunal Superior entendeu ser necessário esclarecer essa questão, até mesmo para que pessoas que receberam o benefício de boa-fé não sejam prejudicadas de maneira injusta.

De forma clara decidiu o STJ que o beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Isto porque é dever-poder de a Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios.

Nos casos de erro material ou operacional, quando por exemplo há o pagamento a maior ou como no caso concreto, pagamento em período não devido, é preciso que seja ponderado: caráter alimentar da verba, princípio da irrepetibilidade do benefício e a boa-fé daquele que recebe parcelas tidas como indevidas.

Caso seja viável que diante do erro material que cometeu a Administração, o homem médio tenha capacidade de verificar este erro, cabe então integral devolução de valores recebidos.

Determinou então que a devolução pode ser realizada com o desconto de até 30% do benefício, conforme autoriza o artigo 154, §3º do Decreto 3.048/99:

Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito.

Deste modo, a tese firmada ficou assim disposta:

“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido”

Erro material ou operacional: boa-fé

Erro material ou operacional: boa-fé

Antes de mais nada é preciso se atentar que apesar do poder discricionário que possui a Autarquia Previdenciária, podendo, assim, rever seus atos administrativos, realizando a sua revisão, isto não pode ser feito de forma autoritária.

Vamos explicar. Ainda que realizada a revisão de ofício – sem a provocação para a Administração agir – é preciso oportunizar ao beneficiário o contraditório e a ampla defesa, direitos previstos no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal.

Isto porque o beneficiário não pode ser pego de surpresa, haja vista envolver uma questão financeira e como analisado acima, pode ser compelido a devolução dos valores recebidos de forma indevida.

Agora, nos casos de erro material ou operacional da Administração, tendo em vista a necessidade de o benefício ter sido recebido de boa-fé pela pessoa, como será verificado?

É preciso deixar claro que não lhe era possível constatar o pagamento indevido, de modo que criou-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivo.

Junto da boa-fé caminham o dever da lealdade e da transparência, de forma que se pode verificar no momento da averiguação da boa-fé.

Para o Ministro Benedito Gonçalves, determinados erros materiais ou operacionais são incompatíveis com a indispensável boa-fé, momento em que cita um exemplo de um servidor sem filhos que por erro da Administração recebe auxílio-natalidade.

Neste caso diante do benefício proposto, mostra-se claro a possibilidade de verificar que houve um erro material, sendo que o beneficiário passa a receber indevidamente e tem consciência disso, haja vista a ausência do fato gerador do benefício.

Deste modo, há a necessidade diante de um caso de erro operacional ou material, de verificar o caso concreto e averiguar a presença de boa-fé diante do contexto em que houve o pagamento de valores indevidos.

Considerações finais

Erro material devolução de benefício

Quando se trata de benefício previdenciário surgem muitas questões, agora quando se trata de revisão do benefício previdenciário e eventual cancelamento muitos receios surgem e o presente artigo tratou da devolução de valores recebidos, tema este que recentemente esteve em análise pelo STJ para fins de consolidação de entendimento.

Em outra oportunidade já tratamos de tema semelhante, todavia que envolvia o Judiciário, nos casos de antecipação de tutela com deferimento precário de benefício, tema também presente no STJ, o qual recomendo a leitura clicando aqui.

Agora quando se trata de benefícios concedidos na via administrativa de forma equivocada, questão importante se instaurou ao a Administração realizar a revisão do benefício o cancelando e ainda requerendo a devolução de valores recebidos de forma indevida.

Ora, a devolução de valores recebidos de forma indevida quando se constata a má-fé de forma clara evidencia o enriquecimento ilícito, contudo, aquele cidadão que recebeu os valores tendo clareza quando ao seu direito, convicção de que estava agindo dentro dos limites da lei, pode ser obrigado a devolver valores recebidos de boa-fé?

De acordo com o Tema 979 do STJ, é dever-poder de a Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios, de forma que constatada a interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária, não pode o beneficiário que recebeu os valores de boa-fé ser prejudicado.

Outro ponto analisado pelo Tribunal Superior diz respeito à analise das condições do beneficiário no sentido de constatar ou não erro material ou operacional cometido pela Administração, de forma que o caso concreto deve ser analisado no sentido de constatação da presença da boa-fé.

Deste modo, quando se trata de benefícios concedidos de forma indevida na via administrativa, o STJ firmou entendimento quanto à devolução de valores recebidos de boa-fé, o que se monstra incabível.

Se restaram dúvidas quanto ao tema ou você precisa de auxilio para verificar caso semelhante, fique à vontade para entrar em contato conosco via chat!

Waldemar Ramos

Advogado, consultor e produtor de conteúdo jurídico, especialista em Direito de Família e Previdenciário.

Artigos relacionados